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DESARMAMENTO, REFERENDO E INÉRCIA

No final de tudo, sempre
jogam a culpa no povo

Em 2005, o Brasil foi mobilizado, às pressas e sem qualquer preparo da sociedade, para decidir sobre um tema realmente fundamental: o desarmamento. Um Projeto de Lei do Congresso Nacional propunha, à época, a proibição do porte de arma, o endurecimento das penas para quem descumprisse a lei e um período de entrega voluntária das armas sem registro, para posterior destruição.
Cheguei a publicar em meu blog na época um texto quase raivoso, em que xingava aquele chamado “Referendo do Desarmamento”, pois o considerei uma estratégia ridícula que o governo e o congresso criaram para disfarçar sua covardia em ares de democracia. Mobilizar todo um país para dizer sim ou não sobre um projeto que ninguém conhece é absurdo, irresponsável. As pessoas votam movidas por paixões e não baseadas na validade técnica da proposta.
Agora, neste ano, mais uma vez, um episódio de violência gratuita – o massacre de estudantes na Escola Municipal Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro, por um ex-aluno que se dizia vítima de bullying – levou o governo a recriar a campanha de entrega de armas, com pagamento de indenizações e sem identificação dos antigos proprietários. A grita foi grande para que se fizesse uma nova lei de desarmamento – mais rígida, e etc e tal. Aí eu pergunto: de que valeram os milhões gastos há pouco mais de cinco anos no “referido” referendo?
O referendo, em si, é uma excrescência política – afinal, se é pro governo começar a perguntar ao povo se pode fazer qualquer coisa, vou exigir, como cidadão, que pergunte se eu aprovo o índice de reajuste do salário, se eu quero pagar a CPMF, se quero que extraditem Cesare Batistti, se sou contra ou a favor do aborto, da eutanásia, do casamento entre homossexuais, da energia nuclear, dos transgênicos, da transposição do São Francisco, da realização da Copa do Mundo no Brasil ... Quem pergunta muito, não decide.
A gente elege deputado, senador, presidente e toda essa malta de profissionais da exploração humana – sabendo que eles vão roubar, defender interesses dos seus financiadores de campanha, usar o dinheiro público, fazer caixa 2, etc – apenas para que eles tomem decisões. Na teoria, o Congresso representa um quadro aproximado da divisão ideológica, filosófica e religiosa da população. Já o Executivo está lá porque foi eleito por maioria absoluta dos votos, e recebeu, portanto, carta-branca para agir dentro da Lei.
E o que eles fazem? Não decidem, não têm peito de fazer valer um projeto que eles mesmos aprovaram, e jogam o assunto nas costas do povo, que, desinformado, vira joguete da mídia e de interesses escusos. E, no final, quando tudo dá errado – como se questiona agora, em relação ao desarmamento – colocam a culpa sobre o povo. O desarmamento nunca acontecerá, de fato, mesmo que se faça outro referendo, outra lei que – vamos extrapolar – condene alguém a pena de morte por estar armado. A violência está na mente humana, na sociedade humana, na vida humana. Custo a crer que ela acabe algum dia ...
Na época do referendo, cheguei a pensar em não votar, mas concluí que a covardia dos políticos não podia justificar a minha covardia. Sou um cidadão que ainda acredita no poder do voto, e votei a favor do desarmamento – isso depois de me dar ao trabalho de conhecer o projeto. Sou um pacifista. Sou contra as armas, não uso e não usaria. Já estive sob a mira de uma arma, em um assalto, e agradeci a Deus que nenhum dos 40 passageiros do ônibus em que estava tivesse uma arma. Tiroteio é terra de ninguém e eu podia não estar aqui agora expressando a minha opinião devido a uma bala perdida (ou achada).
Votei sob protesto – não sem antes enfrentar a velha polêmica sobre o nosso “direito fundamental” de usar armas com alguns blogueiros, amigos e colegas de trabalho. Até onde eu sei, o direito, básico, fundamental que temos é à vida, e não a uma coisa que tira vidas. Mas, tudo bem – daqui a cinco anos, talvez mais, talvez menos, quando o governo se vir em maus lençóis por conta de outro episódio trágico, vamos voltar à velha história do “quem mandou o povo votar contra o desarmamento!”, para justificar a inércia dos governantes.


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