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A TÁBUA (lição de vida) Por Andrade Jorge
Era um mês que não me lembro mais, final da década de cinquenta ou início da sessenta, por aí, eu tinha entre nove a onze anos de idade, morava na rua da terrinha (assim a molecada chamava aquele trecho da Rua Prudente de Morais, no bairro Barreira da minha querida Jundiaí, porque não tinha calçamento). Morávamos numa casa que ficava no quintal da casa da minha madrinha dona Maria e da Vó Umbelina (era minha Vó de coração).
Meus pais dona Alice e “seo” Didi (Benedicto) esmeravam-se na minha criação, principalmente no quesito respeito e honestidade. Meus pais não tinham muitos recursos, porém não faltava nada, minha mãe era ótima administradora do lar, esticava o salário do meu pai ao máximo, falando nele o velho trabalhava como ferroviário na antiga Cia. Paulista de Estradas de ferro trabalhou por muito tempo no pesado serviço da “soca” que consistia na colocação ou manutenção dos trilhos dos trens, depois foi promovido a Porteiro da passagem de nível na Rua Abolição.
Esse era meu cenário.
Como relatei la trás não lembro bem o ano e o mês, mas o que aconteceu recordo muito bem, aquele fato contribuiu na construção do meu caráter e personalidade. Eu e meu amiguinho (Jezo), filho da minha madrinha (somos amigos até hoje, passados mais de sessenta anos) passamos defronte uma construção e vimos entre os materiais uma tábua, dessas que se usam pra fazer andaime. Não havia ninguém trabalhando ali, se tivesse estava la nos fundos da obra, não sei de quem foi a ideia, mas pegamos a tábua. Pra fazer o que? Sei la! O fato que cada um pegou numa ponta da tábua e la fomos pra casa, felizes como os sete anões voltando do trabalho.
Entramos no quintal, que era grande por sinal, tinha jardim, árvores frutíferas, não vimos minha mãe, mas ela nos viu... tal qual um olho de águia observou nossos movimentos. Mansamente chegou até onde estávamos e lançou uma bomba naquelas cabecinhas infantis ao perguntar
____ Menino! De onde é essa tábua?
Um olhou no "zóio" do outro, e como a mãe era minha, coube-me a ingrata missão de responder ao interrogatório que se iniciava.
___ Ah! Mãe, ó a gente “tava” passando ali, a Senhora sabe né, ali na descidinha, tem uma construção e a tábua “tava” jogada la.
A descidinha era a Rua Benjamim Constant. Mas aí veio o xeque-mate:
___ Mas alguém falou que vocês podiam pegar a tábua?
___ É mãe o pedreiro deu pra nóis....
Minha mãe calma e serena, só arrematou
___ Sei.... pega a tábua e vamos la na tal construção ver se é verdade essa estória.
Um olhou pra cara do outro, com aquela expressão de: “a casa caiu .....”
Tentei ainda um último argumento
___ Mas mãe essa tábua ta meio “véinha memo” ...e ....
Ela não deixou terminar, e mais imperativa ainda ordenou
___ Menino! Pega essa tábua ai agora!
La fomos nós, eu e o Jezo carregando a bendita tábua e ela atrás, como a nos pastorear. Chegamos rapidinho.
___ Bate palma ai. “pla pla pla pla”. La veio o pedreiro.
___ Moço o senhor deu essa tábua para estes meninos?
O pedreiro olhou e respondeu
___ Minha Senhora eu “tava trabaiando” la nos fundos, não vi nada não senhora.
Mas o pedreiro percebeu a situação e tentou aliviar nosso lado, principalmente porque olhou nossas carinhas de anjinhos...
___ Dona essa “talboa” nem “vamô” mais usar, os “minino” pode ficar com ela.
___ Não Senhor! isso não é certo. Menino, vocês dois, peçam desculpas ao homem e coloquem a tábua no lugar de onde vocês tiraram.
Recolocamos a tábua no lugar e colocamos também o rabinho entre as pernas. A Mãe naquele dia não me deu nenhum “tabefe no pé do ouvido”, nem palmada na bunda. Mas escutei um sermão daqueles. Ela sabiamente, e que sabedoria! Tinha certeza que se me desse uma surra, logo eu esqueceria, mas uma lição de moral ficaria pra sempre na minha lembrança, tanto que ficou que estou contando o fato mais de cinquenta anos depois.
E de quebra não contou nada para meu pai, senão o bicho ia pegar...
Essa era minha heroína sem ser academicamente letrada fez de mim um Homem.
FIM
31/05/2017
fotos da minha querida mãe e do meu pai
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