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PAPO COM A SOLIDÃO (CRÔNICA) PAPO COM A SOLIDÃO
Por Andrade Jorge
Ontem chovia, noite vazia e eu ali na janela do meu quarto olhando a rua molhada, olhando os pingos d’água, olhando o céu carrancudo, olhando o nada.
É impressionante como a temida solidão se aproxima sorrateiramente nestas horas para nos abraçar. Ela chegou ficou ao meu lado, eu e ela olhando a insólita chuva e num mudo prosear fui abrindo o leque dos meus pensamentos, como se ela não soubesse!
Olhou-me interrogativamente, como a perguntar: O que lhe aflige? E não esperando resposta desandou a falar:
___ Amigo seu cansaço do tudo e nada vem de sucessivos fatos cumulativos em sua vida. Nos últimos anos você ficou refém de você mesmo, a bravura do guerreiro de outrora sumiu, ninguém mais viu. Você ficou susceptível à força do vento, ao marolar das ondas, ao tremor das palavras, dos virtuais avisos, recados, ficou a mercê única e exclusivamente da emoção ora abalada.
Os seus decantados fevereiros já não o habilitam mais, a desilusão é crescente embora procure ardorosamente maquiá-la, mas quando estamos a sós, eu e você, a verdade aparece. Parece que já vimos esse filme antes. O que você imagina ser a rocha firme, a fortaleza a dar guarida e reanimar esse coração combalido pelo tempo, muitas vezes revela-se forças opressoras sufocantes, porque sua defesa é débil, fraca.
Posso dizer catedraticamente que sua válvula de escape é esta faculdade de colocar no papel o que lhe vai n’alma, não fôra isso seu abatimento seria maior ainda. Compreendo seu sentimento, o que não compreendo é esta passividade em retomar as rédeas de seu viver. Ainda que o coração sangre e a alma passe por cirurgia, retome a direção de sua vida, e se alguém o ama verdadeiramente seguirá contigo para o que der e vier.
Nesta noite a única companheira sou eu, como tantas vezes ao seu lado estive, foram tantas, que às vezes nem me percebia mais, fechado no seu mundo da lua.
Amigo falei demais?
Ainda aturdido pelas palavras da amiga solidão demorei um pouco para me refazer, e quando respondi o fiz com uma pergunta
___ Solidão, por que você é assim tão só?
___ Ora amigo, a “Grande Consciência” sabe o que faz, eu vim para amparar esses corações afogueados, desnorteados, e abrandar os espíritos amotinados, insurgentes. E na verdade nunca estou só, sempre tem alguém do meu lado, este sim anda só.
Olhei para a rua escura, a chuva tinha parado, olhei do lado para dizer algo mais à Solidão, mas ela já tinha partido tão sorrateiramente como veio.
Mas respondi a pergunta dela
___ Não Solidão! Você não falou demais!
FIM
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