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BOA NOITE

Tentou, há pouco, disfarçar a tristeza com um sorriso, mas não conseguiu.
Não conferiu no espelho, pois seria desnecessário.
É fim de noite de uma sexta-feira, quase toda passada na estrada.
Tentou ver com os mesmos olhos do passado as paisagens que lhe foram gratas, mas algo mudou e ainda não sabe bem o que foi, quando ou como.
Infelizmente, a luta pela manutenção da integridade durante os anos isolou-lhe.
Está só neste momento, mesmo que rodeado por faces indiferentes.
Sente as rugas rasgando a pele, enquanto escreve.
Sente o frio tomando o corpo, enquanto treme.
Sente, antes de tudo, a solidão daquela alma esperançosa pela renovação.
Entregou os pontos, por hoje, mesmo que ninguém tenha percebido.
Saiu do caminho traçado mais uma vez e se perdeu nas encruzilhadas.
A vida estagnou e o tempo chegou para cobrar a irresponsabilidade desmedida de uma vida altruísta, vivida em função do benefício alheio.
Perdeu a luta pela manutenção da felicidade e se vê isolado, sobrevivendo no limbo criado pala culpa das decisões erradas, responsáveis pelo presente, que com o dedo em riste apontam na sua direção.
Vê-se errante, cansado, desapontado com as pessoas que não conseguiram aceitar as suas boas intenções, distorcendo-as, como se nenhuma delas tivesse qualquer valor concreto.
Abaixa a cabeça, vergonhoso, sem mirar qualquer olhar capaz de notar-lhe e aguarda, mesmo assim, pelo dia seguinte; para que possa disfarçar a felicidade num momento de reclusão voluntária, ciente de que esta retornará ainda nesta vida, após a névoa que toca a sua pele dissipar o mesmo limbo que o fez cativo.
Segue ciente das dificuldades, mas crente na existência de novas possibilidades.
Segue vivo, embora morto.
Segue altivo, embora cansado.
Segue a luz, embora no limbo.

 
   
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