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RETRATO DO FILHO MORTO

RETRATO DO FILHO MORTO

Receberam a noticia já bem tarde da noite. A polícia não tinha dúvidas: era Marcos, de 16 anos, o filho mais novo do casal. A mãe rompeu em prantos e sentou-se no sofá da sala. Alguém precisava ir ao Instituto Médico Legal, o tal IML, para o reconhecimento do corpo. De pé, sem conseguir acreditar que seu filho querido havia morrido, ele fez um sinal afirmativo com a cabeça e disse que iria. Os outros filhos, Isabel, de 18 anos e Gustavo, de 20 anos, abraçados com a mãe, também choravam. Ele seguiu para a tarefa ingrata de ver se era seu filho, o corpo sem vida que estaria em cima de uma pedra mortuária.

No necrotério, fez um sinal afirmativo tão logo reconheceu o filho. Não sabia o que dizer. Não conseguia entender. Marcos fora atropelado e o motorista fugira sem prestar socorro. Coisa mais cruel pensou. Deixando o necrotério e já na sala de espera, aguardando a liberação do corpo do filho, ele escondeu o rosto entre as mãos. No íntimo estava dilacerado. Um policial se aproximou com uma foto na mão. Era uma foto de Marcos, tirada na frente do colégio onde estudava. Naquele retrato, seu filho estava luminoso e radiante.
- Como essa foto foi parar em suas mãos? – perguntou ele, um tanto confuso.
- Essa foto estava junto da bicicleta do rapaz atropelado. – esclareceu o policial e entregou-lhe a foto.

Ele ficou olhando o retrato do filho. Tão feliz. Tão jovem. Tão cheio de vida. Então se lembrou. Tinha dado essa foto para Rosana, caso amoroso que mantivera durante anos, mas que havia rompido duas semanas antes da morte do filho. Foi tomado pelo pavor. Não queria acreditar. Teria Rosana se vingado dele, matando o seu filho querido? Olhou a foto do filho, uma vontade de chorar tomou conta dele. Não podia ser verdade. Deus, não! Mas ele tinha dado aquela foto para ela! Não queria acreditar em tamanha maldade. Lembrou-se das últimas palavras de Rosana: - Se você me deixar vou me vingar naquilo que você tem de mais precioso. As mãos dele estavam trêmulas, o rosto crispado. Rosana matara seu filho por vingança. Era um pesadelo.

Na rua, o sol de verão anunciava um dia lindo. Estava tudo tão vivo tão colorido, mas seu filho estava morto. Olhou o retrato uma vez mais ao entrar no carro. Seu filho amado. E ela, aquela maldita, havia feito isso. Optara por salvar seu casamento e havia aconselhado a ela que fizesse o mesmo com o seu relacionamento. Ainda que não fosse casada legalmente, Rosana vivia com o pai das suas duas filhas, Paula e Julia, de 15 e 17 anos, respectivamente.
O coração doía. A dor, misturada com o ódio imenso que tomara todo o seu corpo, estava quase insuportável. Aquele filho era o mais próximo dele, era
amigo, era tão carinhoso, tinha um futuro brilhante. E, agora, ele se fora, por causa do capricho de uma mulher.

Saindo do estacionamento, seguiu pela avenida principal. As filhas de Rosana estudavam em um antigo e tradicional colégio, São Judas Tadeu, que ficava algumas quadras do IML. Ele estacionou o carro e olhou para dentro das instalações do colégio. Seus olhos se dirigiram para a quadra de esportes, onde as meninas jogavam handebol. Viu Júlia jogando no gol de uma das equipes. A foto do filho estava no banco do carona. Ele olhou mais uma vez e resolveu voltar para casa.

Os moradores da Ilha ficaram surpresos quando dois dias mais tarde, depois dos funerais de Marcos, o corpo de uma adolescente morta foi encontrado na piscina do colégio. Aparentemente ela se afogara. A Diretora do Colégio identificou o corpo: Era Júlia, uma das alunas mais aplicadas.
- Alguém, por favor, telefona para a mãe dela, D. Rosana. Temos que comunicar o ocorrido.

Fora dos muros do colégio, apertando uma foto contra o peito, um homem chorava copiosamente.

HISTÓRIAS DA ILHA
Dionildo Dantas

 
   
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