Sentado, sentindo a friagem que sobe pela madeira
Do banco que a cor se evadiu em tempos esquecidos
Volvo o semblante melancólico para a esteira
De trilhos que se unem embevecidos
Com a paixão ardente que me inquieta a alma
Ouço a aproximação da Maria Fumaça e sinto seu olor
Que me adoça o olfato, que muito me acalma
Olho para o entorno e vejo defronte a estação uma linda flor
O coração arroja-me no espaço e aterrisso sobre os dormentes
Ela não está longe, ela está perto
Acaricio suas pétalas e o perfume invade minha boca, toca meus dentes
Ela não está longe e fico desperto
A cadência de meu coração se acelera na medida
Que surge um ranger nos dormentes, nos trilhos, na estação
Esse discreto tremor recorda-me a despedida
Foi momento doloroso, que me deixou em prostração
Ela queria bailar nos palcos da capital
Desejava o brilho dos holofotes
E por deliberação feriu-me de modo letal
Por declarar que eu era homem de poucos dotes
Num ímpeto cingi sua delgada cintura e na beira do lago
Beijei-lhe ardentemente a boca molhada
De nada adiantou o meu candente afago
Ela foi simples e breve se dizendo apartada
O ranger na plataforma da estação aumenta e o aroma do óleo e do carvão
Prenunciam a chegada da imponente locomotiva
Ela não está longe, ela está perto, ela está perto
Apesar de toda a saudade, de toda a humilhação, algo ainda me motiva
Algo que me incendeia o interior de todo o meu coração
Avisto a Maria Fumaça e sua grandeza que avança, que se aproxima
Seu apitar estridente, o ranger de suas rodas, o aroma do carvão queimado
Faz reverberar em minha mente extasiada aquilo que me anima
O apitar da máquina poderosa parece ela arfante ao meu lado
O ranger da composição como seus gemidos e sussurros alucinados
O aroma inebriante do óleo queimado como seu perfume que me deixava extasiado
Por dias e noites tanto esperei, esperei ansiosamente sua chegada
Sem saber a razão, eu era compelido a vir sentar-me na estação
Ficava a relembrar sua partida e a sensação da alma quebrada
A fumacenta máquina estacionou junto à plataforma
Pessoas humildes se misturavam as abonadas de qualquer forma
Aflito, fui a sua procura em meio à multidão
Deixei-me levar por meu sôfrego e ansioso coração
Encontrei-a sorridente, envolta por abraços e beijos de seus pais e parentes
Avistado pelos olhos que um dia furtaram o azul do firmamento
Ela deixou a família e aproximou-se de mim sem entrementes
Atirou-se vigorosamente em meus braços, num beijo repleto de sentimento
Para depois dizer: "Eu nunca deveria ter ido, porque fui tive o coração partido..."

Robert Thomaz