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A OUTRA GUERRA Ofereço este poema que escrevi em 13/11/2001 àqueles que, insensíveis, distanciados dos seus próprios corações, acreditam que a solução para a violência dos nossos dias seja a criminalização dos nossos jovens/crianças, transformando-os, de vítimas da exclusão, do individualismo e do egoísmo, em culpados pelos males e medos que real ou imaginariamente atingem a todos. É tão mais fácil culpabilizar os mais fracos, aqueles que têm poucos recursos para reagir... Acho isso um ato de muita covardia. À poesia! que ela faça o seu trabalho...
Um espectro ronda os nossos dias,
Arrasta-se corrosivamente,
Em silêncio.
Uma guerra sem tanques e bombas,
Sem soldados e batalhas abertas.
Uma guerra perto de nós,
Que só conseguem vê-la
Aqueles que têm o coração nos olhos,
Os que cultivam compaixão.
Uma guerra suja.
São limpas as guerras?
Batalhas travadas nas sarjetas,
Semáforos e terrenos baldios,
Nas favelas e cortiços.
Uma guerra da qual somos todos partícipes
Pela nossa indiferença
E ignorância.
Uma guerra que nos põe a erguer muralhas
Contra inimigos invisíveis.
Uma guerra que atira crianças na rua,
Crianças famintas,
Embrutecidas,
Armadas,
Desamadas.
Anjos deserdados em revolta.
Crianças que ainda sonham...
Embalados pela fumaça que enevoam
Os caracóis dos cérebros entorpecidos,
Brumas entorpecentes...
Brumas entorpecentes...
Brumas entorpecentes...
Imaginam-se em tênis coloridos,
Camisas estampadas,
Em aventuras fantásticas,
De vídeo games,
E desejam todos os doces das vitrines.
Crianças que intuem,
Que pressentem
A brevidade do seu tempo.
A qualquer momento,
Nesta guerra de guerrilhas,
Silenciosa e prolongada,
Num beco,
Uma faca ou bala...
Um enterro sem honras militares,
Sem toque de silêncio,
Só silêncio,
Solitário,
O funeral dos que não foram tocados
Pelas mãos invisíveis do Mercado,
Do Smithiano Mercado,
O deus dos nossos tempos,
O deus que a tudo regula
E a todos oferece
Nesgas de esperanças,
Um deus que se posta fora dos nossos corações.
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