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Para a sua diversão. "Bota ao Microondas".

Alguns compromissos estavam agendados. E para honrá-los havia que se viajar. Eram meados de julho. Chovia torrencialmente aqui no interior, e fazia frio. O frio se instalava nos ossos. Principalmente de quem os tem osteoporizados.
Comprei a passagem, e consultei o Senhor do Tempo, para saber exatamente o quê colocar na bagagem. Pelo que pude deduzir em minha pesquisa nos portais da dita internet, o tempo em São Paulo, não estaria diferente daqui. Talvez se apresentasse um pouco pior, do que aqui.
Arrumei a mala e escolhi os calçados. Um chinelo, para ficar à vontade, quando estivesse em casa. Quer dizer, na casa aonde ia me hospedar. Um sapato de salto alto, para eventuais necessidades. Mas eu rezava para não ter de usá-lo. Salto alto me deixa um pouquinho mais alta. Só um pouco mesmo! Em contra partida a coluna sofre que só vendo uma coisa. Que coisa? Ah, sei lá coisa. Aqui no interior usa-se muito essa expressão quando não se lembra o nome... Da Coisa! Daquilo que se quer dizer.
Duas sandálias. Esperança em demasia? Vai que faz calor! Melhor prevenir. Um sapatinho baixo, tipo moleca. Muito confortável. Mas impróprio para muitos lugares. E uma bota de camurça, no tom marrom claro. Bota amiga. Companheira de mais de ano. Comprada em São Paulo no inverno retrasado. O último par da vitrine. Comigo é sempre assim. O vendedor surge com a caixa na mão, e o sorriso amarelo que eu já conheço de outros verões e de outros invernos também! (isto para não citar o outono e a primavera). — É o último par. Só tem o que tá na vitrine. — Fazer o que? Pé de princesa é pé de princesa! Mais não é, é de Gata Borralheira mesmo.
A bota, de zíper e salto baixo, é muito confortável. Quase nem sinto que estou andando. Sim. Era com ela mesma que eu iria viajar. E lá fomos nós, a mala, a bota e eu, rumo à capital do estado. A bota no meu pé, é claro.
Em meio à semana, resolvi dar um role em CAMELOT que fica lá pras bandas da rua vinte e cinco de março. Pode parecer muito doido, mais eu gosto daquela loucura que a gente só encontra em CAMELOT. Assim, em meio ao aguaceiro que desabava sobre a cidade da garoa, inventei um bom motivo para sair do abrigo onde eu estava. Confortavelmente seca. Qual foi o motivo que arranjei? Comprar uns metros de tecido xadrez nos quais eu bordo o ponto cruz. Na verdade o motivo nem foi assim tão inventado, uma vez que eu tinha encomenda para bordar duas toalhas.
Logo após o almoço, subi no primeiro ônibus que passou e desembarquei nas proximidades de CAMELOT.
Sobe e desce ladeira. Entra em loja e sai de loja. Campeia em um armarinho. Fuça em outro. Vê os muambeiros fugindo do rapa. O céu se fechando. O tempo passando e o mundo desaguando em meio à apregoação dos vendedores:
— Compra a máscara, dona. Olha a máscara, dona.
— Sombrinha. Olha a sombrinha. Tem de cinco. Tem de dez e tem de quinze. Quem vai querer?
— Olha o milho verde ai gente! Quem vai querer milho verde? Quentinho, quentinho? Quem vai querer!
— Olha a capa, olha a capa. Só dois reais. Quem vai querer?
— Olha o rapa! Olha o rapa! Corre gente que lá vem o rapa.
Ó vida marvada! E lá se vão eles. Fugindo do rapa.
Nessas andanças, o ponteiro do relógio apontava para as cinco da tarde, e a bota se ensopando. E a meia foi esfriando, esfriando e encharcando dentro da bota molhada.
Logo mais à noite, eu tinha um compromisso. Jantar com um dos meus filhos e nora.
Ali, em CAMELOT e em meio ao aguaceiro do entardecer eu me pus a matutar. Voltar para o apartamento da amiga no qual eu estava hospedada e trocar roupas e calçado? Seria o mais correto. Sem sombra de dúvida. A meleca é que eu havia extrapolado o tempo nessas andanças e agora eu levaria um tempão até chegar a casa dela. E outro tempão maior ainda para chegar ao local do compromisso. Como eu estava bem mais perto da casa do filho ao qual me refiro, decidi ir direto para a casa dele. Com bota molhada e tudo.
O jantar na companhia deles foi muito bom. A única coisa que incomodava era o pé gelado dentro da bota encharcada. Lá pelas onze da noite, meu filho me deixou diante da portaria do prédio da minha amiga.
Dia seguinte. Um compromisso inadiável em Santos. E a chuva? Molhada. E a bota? Também. E o frio? Firme e forte.
Ó céus, que fazer! Sapato de salto alto, inda mais para viajar, nem pensar! Sandália? Menos ainda. Moleca? Sair descalça dá na mesma. Mesmo! Se a bota naufragou, o que é que se pode esperar de um calçado de tecido.
Refleti e refleti e me ocorreu uma feliz ideia. Dessas que só gênio costuma ter. Pensei cá com os meus botões: — Se já sequei roupa no microondas, porque não secar a bota?
Pois é. Foi o que eu fiz. Botei a bota no microondas. Cinco minutos. Deve ser o suficiente...
Cinco minutos depois eu abri o microondas e retirei exultante a bota quentinha. Soltando fumaça. Que delícia! Enfim, um calçado seco, confortável e digno de se calçar para enfrentar a viagem até Santos! Abri o zíper e calcei o pé direito. — Que estranho! Parece que tá cheio de caroço... Coisa esquisita. — Retirei a bota e passei a mão em seu interior. Eu havia me esquecido de um detalhe. Pequeno, mas significativo detalhe. A palmilha era de borracha...
Enfiei o pé no primeiro par de sandálias a vista e antes de chegar ao metrô, entrei na primeira loja de calçados que vi.
— Moço. Aquela bota ali. Você a tem na cor preta?
— Tenho. Qual é o número?
Na hora deu um diabo de um branco e eu respondi.
— 34.
E lá veio ele com a caixa e o sorriso amarelo.
— É a última.
Calcei a bota e passei no caixa. Nem perguntei quanto era. Cartão serve para nos socorrer e endividar nas emergências.
Bota nova e lá fui eu em direção a Santos. O pé navegando dentro da bota e a bota navegando nas águas de Santos e foi um naufrágio só.
Fui e voltei intrigada. “Será que o moço me enganou? Será que ele me fez comprar um numero maior. Tipo 35?”. Deixa estar. Quando eu chegar a São Paulo eu verifico. E verifiquei. Os dois pés da bota continham o mesmo número, 34. Portanto, o moço não me enganou. Ele me trouxe o número correto. Alguma coisa estava errada e só podia ser com o meu pé. Principalmente o esquerdo. Nele a bota ficava incrivelmente mais folgada. Que safado!
Dia seguinte. Ainda intrigada e inconformada com o fato de ter perdido a bota de camurça marrom, eu a peguei para examinar. Quem sabe isto ainda tem conserto? No que eu puxei o zíper, vi a etiqueta com a numeração. 33.
Ah, então é isto!? Não há nada errado com a bota nova nem com o meu pé. O número é que está errado. Eu não calço 34. O meu é um pezinho de Gata Borralheira, esqueceu? 33.
De volta a minha cidade, e inconformada com o fato de ter perdido uma bota querida e de ter comprado outra com a numeração errada, sai à cata de outra bota.
Desta vez eu encontrei a bota que foi feita sob medida para mim.
— Moça. Aquela bota preta, de cano baixo e sem salto.
— Qual?
— Aquela ali, da vitrine.
— Ah, sei. Ta na oferta. Liquidação de inverno. Cinqüenta por cento de desconto e pode parcelar em até seis vezes no cartão.
— Você tem o número 33?
— É o último.
— Não tem importância. Eu quero só um par.
Essa, eu juro por tudo quanto há de mais sagrado. Não boto no microondas. Aliás, “Bota ao Microondas” é um prato que eu não recomendo a ninguém. Nem aos inimigos. É um prato pra lá de indigesto. Além de caro. Caríssimo.

 
   
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