|
DE CHÁS E ONÇA - DO LIVRO "A REVOLTA DAS TAMPAS - A ONÇA NO QUINTAL"I - de chás e onça
Na horta, bem mais adiante dos agriões e maracujás, sempre margeando o riachinho, um garoto podia se perder num verdadeiro intrincado de angélicas, avencas, samambaias e taiobas.
Detalhes quem conta é a dona Lucimília: - Nós as co-lhemos, todas as semanas. Folhas e raízes. (Ela prepara as folhas de taioba como se faz com as da couve, enroladas com suficiente aperto, depois cortadas em rodelinhas miúdas, em que se verte limão, o azeite e o sal, para comer crua, ou se refoga, com o alho, a cebola e outros temperos, pra comer afogadinha. Dela se come ainda o tubérculo cozido, como se faz com as batatas.)
Dizia a cozinheira: - Essa aí não só alimenta como ajuda a combater doenças do fígado. (Sim, também, depois da cocção, a raiz, espécie de batata comestível, pode ser amassada e misturada a uma farinha, no preparo de um tipo de pãozinho assado que o povo aprecia demais. Por ali a taioba é muito respeitada. Às vezes, dona Lucimília amassa suas folhas para cobrir feridas expostas. Também nos casos de tumores, aquece as folhas socadas num pilãozinho e as coloca, mornas ainda, cobrindo todo o inchaço.)
- A raiz ralada crua tem efeitos cicatrizantes e, cozida, ainda quente, em emplastos, alivia dores reumáticas – ensina dona Lucimília. Essa raiz, a “batata” da taioba apresenta escamas e gemas das quais nascem novas plantas.
Contudo, dona Lucimília, que sempre divulgava a planta abençoada, e dá mudinhas dela pra quem lhe pede, nunca permitia que as crianças fossem sozinhas ao recanto das taiobas. Dizia-lhes que já encontrara por ali, no quintal, uma solitária Onça-Pintada, tal jaguar, tão temida por todos, devoradora de gente, mascando folhinhas de ervas, perto das águas. Achava que aquilo que o bicho mascava para apurar o suco até fossem umas sementinhas de alecrim-de-cheiro, o de flores azul-violeta, a-mor-de alívio de sarna. Ou seria pra alívio de seus espirrados atchins? Pois que o povo saiba: esses frutinhos simples e secos do rosmaninho, com suas mínimas e aderidas sementes melíferas, possuem várias propriedades cosméticas e medicinais e ainda se indicam para tempero culinário.
[A mulher sente de longe o ronronar do fascinante felino quando ele, vibrando os músculos de sua laringe, produz o característico ruído que as mães selvagens costumam fazer exclusivamente enquanto cuidam de seus filhotes. Já seu esturro, ela sabe, é uma vocalização de saudação, exclusiva das grandes espécies felídeas, com um som semelhante ao de um espirro, utilizado como cumprimento entre animais amigáveis.]
Dona Lucimília, quitandeira de forno e fogão, pumzemplo, costuma barrer o forninho de barro da varanda-de-fora, após aquecido com a queima da lenha em seu interior, com uma vassourinha feita com uns ramos de alecrim colhidos na hora, deixando a cúpula assadora impregnada com uma essência cuja virtude perfuma as roscas, quitandas ou carnes ali assadas. Costume antigo na roça.
O emaranhado das angélicas e samambaias margeando o riozinho e o folhedo atapetando o solo poderiam de fato esconder até animais miúdos, além de cobras e lagartos. - Mas uma onça?! Os moleques disso duvidassem, em reinação.
Dona Lucimília afirma que o chá da angélica cura a histeria, certo achaque de terror pânico, em que o corpo padece por causa de uma desregulagem da ideia.
Sustenta ainda que a planta fortalece o estômago, é tônica, depurativa e, em casos de febre, provoca o suor. Sim, segundo ela, a odorífera angélica possui olhos e óleos essenciais e angelicina e, pelo que diz, tem lá suas propriedades medicinais contra tais males psicodélicos.
Quando lhe perguntam sobre a pantera, dona Luci es-clarece que ela mede cerca de metro e setenta de com-primento, pesando uns 120 quilos, e que tem o corpo com manchas negras, amarelado no lombo e branco na barriga. Uma pintura artística, semelhasse. E que é realmente uma Onça-Pintada, espécime felina ameaçada de extinção, completou, emendando ainda que, de vez em quando, pode-se ouvir bem ali pertinho seu urro. Ela conta ainda que esse rugido de alta sonoridade, é comumente usado em disputas territoriais. E que sua capacidade de rugir vem de sua laringe e o hióide, - pequeno osso em forma de ferradura situado na parte anterior e média do pescoço, entre a base da língua e a laringe, - especialmente adaptados para este fim.
Diz que ela consegue produzir sons de "escarrada", "chiar", rosnar e miar. Os três primeiros são usados num contexto agressivo, podendo indicar posturas defensivas e de ataque contra espécies diferentes ou em disputas entre a mesma espécie. O miado é usado como um chamado de curta distância, normalmente entre a mãe e os filhotes, ou como um chamado de média distância durante a época de acasalamento. Também é comum ela produzir sibilos e silvos em variadas situações.
Fala ainda que, como outros felídeos, a Bela Protetora possui vibrissas, uns como "bigodes" altamente sensíveis fincados profundamente dentro da pele do focinho que lhe fornecem informação sensorial a respeito de qualquer movimento mínimo do ar, sendo muito úteis na caça noturna.
Ficava até mais crível a existência do bicho pintado zanzando por ali, com tantos pormenores fornecidos pela mulher....
|
|