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Modron, a Senhora Outonal.

Nesta Lua das Tempestades, o vento do oeste espreguiçou. Hora de acordar e movimentar. Soprou sem muita certeza. Será que já era de fato hora exata de trabalhar? Na dúvida, optou, por não carregar em demasia seu sopro inicial. Apenas o necessário para os ares esfriar.
Também o Sol, deparou-se com um dilema. Deveria ser tórrido ou incipiente? Optou por tirar folga. Tinha esse direito. Férias acumuladas, desde o início da criação. Deu permissão ao dia para ser como bem entendesse. E o dia, preguiçoso, mas muito bem resolvido. Desses tipos que nunca necessitam de terapeutas. Tratou de apresentar-se como bem quis. Cinzento.
E, ela, a senhora outonal não bateu palmas no portão.
Não tocou a campainha. Tampouco bateu à porta.
Para ela, portão não havia. Campainha inexistia.
E porta para que? Modron chegou. Envolta em uma onda de fragrâncias. Mistura de benjoim, sálvia e mirra e de quebra um pouco de jasmim.
Uma tiara de lápis-lazúli ornando-lhe a fronte. Um colar de safira, enfeitando-lhe o colo. Não trouxe bagagem.
Precisava?
Penso que não! Novas folhas vão cair. E antes que o vento as leve, um novo manto Modron irá tecer.
Talvez ela mescle cores na trama do tecido.
Amarelo, laranja, vinho, marrom, e verde é claro. O verde ela o usará em seus mais variados tons. Tenho certeza! Ela sempre usa. Ano após ano. Mas sempre um manto novo. Em folha.
De modos que ela entrou com a roupa do corpo. Compreendo.
O outono é a estação da renovação. Para que prosseguir, arrastando estação adentro uma bagagem estufada de peças desnecessárias? Atravessou o vão onde se supõe deve existir uma porta. Afinal. Pode não parecer, mas isto é uma casa.
E o fez sem pedir licença. "De casa", ela assim se considera.
Começou a ladainha pelo armário de roupas. Escancarou as portas. Foi tirando os vestidos. Um a um. Olhando com cautela.
&9472; Esse?
&9472; Há três anos sem usar.
&9472; Doa.
&9472; Este?
&9472; Dois anos se passaram.
&9472; Doa. Este aqui? Você usou exatamente há um ano. Doa.
Nada satisfeita, prosseguiu. Guardava um. Tirava dois.
&9472; Ai meu Jesus Cristo! Vou ficar sem roupa!
&9472; Não vai não!
Finalmente deu-se por feliz e fechou a porta do guarda roupas.
A pilha de doação? Imensa.
Passou para a cômoda e fez o mesmo. Inclusive com peças intimas e roupas de dormir.
Saciada, passou para a sapateira. Foi tirando os pares.
&9472; Salto alto. Você não usa mais. Doa.
&9472; Mas este eu usei quando fui madrinha de casamento do meu irmão caçula.
&9472; Por isso mesmo. Faz muito tempo. Doa.
Ok! Vou discutir?
&9472; Essa bolsa está encostada há quantos anos?
&9472; Vou saber?
&9472; Doa.
Determinada a ir até as últimas consequências, seguiu adiante. Acostumada com a casa. Passou para o outro cômodo. Foi abrindo as gavetas da escrivaninha. Removendo os papéis. Antigos. Pilhas e mais pilhas. Reciclagem.
&9472; Que é isso?
&9472; Isso? É. Bem. Parece um simples papel de sonho de valsa. Mas não é. Recordação do meu primeiro paquera.
&9472; Nem namorado foi?!
&9472; Não.
&9472; Então joga. Joga não. Reciclagem.
Sequer a cozinha ela perdoou. Alguns utensílios já sem muito uso até permiti que fossem para a caixa de doação. Lépida, agarrei a colher de pau e a panela de barro. Essa eu não dou, não vendo e não alugo. Não tem conversa.
&9472; Agora se a senhora quiser doar o ferro de passar, tudo bem.
&9472; Porque o ferro de passar? Está em bom estado.
&9472; Por isso mesmo. Quase não uso.
&9472; Você não gosta de roupas passadas?
&9472; Das roupas passadas eu gosto. Não gosto é de passar. Entro em transe. Já me queimei várias vezes.
&9472; Sei. Mas ele fica. Faz parte dos apetrechos de uma casa civilizada.
&9472; Tudo bem. Usarei o mínimo possível.
E esse foi o seu procedimento desde as primeiras horas da manhã, até o entardecer.
Hora do outono. Aliás sua hora preferida.
Vamos ver o quintal. - ela disse. - Segui seu rastro com um risinho maroto nos lábios. Sabia que ela teria uma surpresa.
&9472; Oh! Que maravilha. Canteiros bem cuidados. Ervas e temperos de várias espécies. Árvores frutíferas. Vasos suspensos por correntes. Orquidário organizado. Roseiras florindo. Pássaros chilreando nos galhos. Muito bem. Aqui não temos que nos desfazer de nada.
Claro que não, pensei. Trabalhei neste quintal por três dias consecutivos. Incluindo o dia de descanso (domingo) inteiro. Porque ela haveria de encontrar uma erva daninha sequer. Ou uma pedrinha fora do lugar?
&9472; Ora veja! Um balanço preso ao galho da mangueira. Sugestivo. Posso?
&9472; É todo seu senhora.
Ao sentar-se ela viu a cornucópia ao lado do robusto arbusto da mirra.
&9472; Linda cornucópia. Foi você quem fez?
&9472; Sim. É um presente para a senhora. Nela. Na cornucópia, coloquei toda a minha gratidão. Por todos os frutos que colhi neste ano. Os bons, celebrei. Os amargos, eu adocei. Os tristes, vivi, deles retirei o aprendizado e os dispensei.
&9472; Presente aceito. Mais do aceito.
Na linha do horizonte, o céu tingiu-se de um vermelho esmaecido.
E tudo na natureza manteve-se suspenso. Na quietude da hora sagrada em que os sinos da igreja badalavam a hora de Maria.
Sentei-me ao seu lado.
&9472; Modron. Posso fazer uma prece?
&9472; Faça.

"Ave do mar estrela.
Bendita Mãe de Deus.
Ao cego iluminai.
Ao réu, livrai também.
De todo o mal guardai-nos senhora.
E dai-nos todo o bem
Que o sono seja seguido pelo despertar.
E a morte pelo renascimento.
Pois sabemos que a vida continua.
Dentro e fora de tuas águas.
Que possamos chegar à noite mais sombria do inverno,
Aquecidos e fortalecidos.
Pelo manto que vamos, juntos, tecer".

- Que assim seja! - ela respondeu.
E a noite caiu. Deixei-a ali, sentada no balanço. Contemplando as estrelas e decidindo quais folhas usaria em seu novo manto.
Fui acender o círio no altar. Consciente da presença de Modron.
Em todos os outonos, desde que nasci, ela os passa comigo.

[Imagem retirada da internet. Caso alguém conheça o autor, favor entrar em contacto para que eu possa dar os devidos créditos]

 
   
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