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ROTINATalvez o maior desafio para a mente inquieta seja a adaptação à rotina.
No começo, quando tudo é novidade, existe a sensação de que o trabalho vale a pena, pois cada atitude tomada leva ao desenvolvimento de algo novo, trazendo benefícios para o coletivo e, consequentemente, para a pessoa que o executa.
Você cria, assume responsabilidades e implementa o que a mente visualiza previamente.
Parte de um ponto inicial, caracterizado pelas expectativas, e chega a um ponto final, condizente com os objetivos pré-determinados.
É gratificante presenciar a transformação da teoria na prática, a materialização das ideias.
Entretanto, chega aquele momento em que a criação domina o criador e as atividades diárias passam a ser repetitivas, como se dessem voltas em círculos, retornando sempre ao mesmo lugar.
Você acorda, toma seu banho, vai ao trabalho e constata que não há nada a ser criado.
Apenas repete diariamente a rotina que você mesmo idealizou.
Então, tudo perde a graça e a mente inquieta passa a ansiar pela fuga do cotidiano, quando deveria estar vivendo a plenitude, grata pelo que foi capaz de idealizar e realizar.
É nesse momento que a insatisfação apresenta-se e o desejo de recomeçar toma forma, criando armadilhas para a mente insatisfeita.
Ela recusa a rotina e inicia uma busca incessante por motivos capazes de justificar o abandono da segurança conquistada, a ser trocada por desafios a serem vividos.
E acontece. A mente encontra suas razões, despreza a segurança social e a financeira, apenas para recomeçar.
Há um boicote silencioso, imperceptível para a razão e traiçoeiro para a sobrevivência, uma vez que o novo virá, mas será velho mais à frente, inquietando-a novamente.
E, como consequência, vínculos são desfeitos, amizades ficam pelo caminho e atitudes precipitadas são tomadas, deixando para trás apenas histórias a serem lembradas.
A mente culpa-se por não ter suportado a velha rotina, sabe que não será diferente com a próxima, mas não se controla, uma vez que vê a vida a ser vivida como um constante desafio, e não como uma repetição monótona a ser tolerada.
E, assim, muda-se de emprego, como troca-se de roupa, saltando de uma cidade para outra.
Ficam pelo caminho os relacionamentos e a segurança, e persistem a expectativa e o desafio.
Até certo ponto, é claro, pois o tempo é implacável e em algum momento a mente deverá ceder e escolher uma rotina a ser mantida, pois a vida é eterna, mas a matéria é perecível.
Pois sem rotina, não há sobrevivência, sustentabilidade e sequer família.
As questões, então, tornam-se claras:
Até quando a inquietação será permitida?
Até quando o renascimento da mente será sinônimo de libertação?
Até quando a matéria suportará outro recomeço para que a mente mantenha-se sadia?
E não há respostas, pois a mente recusa-se a procurá-las.
Procura, entretanto, por uma nova fuga para a atual rotina; sem perceber, enquanto expectante, que num dia tudo termina.
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