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O Redentor

O cheiro de esgoto, que exalava dos bueiros velhos, era nauseante. O suor do gordo, sentado na calçada, próximo ao Beco do Purgatório, impregnava minhas narinas com um odor acre e pestilento. Desgraça! Vida miserável! Tão miserável quanto o líquido maldito que aqueles vermes se injetavam.

O Beco do Purgatório, apesar do nome, não era um lugar onde miseráveis se reuniam em busca da absolvição de seus pecados. Não. Homicidas, latrocinas, viciados, prostitutas, todo o mal da sociedade se encontrava ali para repartir o pão da miséria. Cabia a mim limpá-los de toda impureza carnal e de espírito.

O gordo, a quem me referi anteriormente, era carne nova. Devia ser um recém-viciado em crack ou heroína. Como eu sei? Primeiramente, ainda não se tornara um saco de pele e ossos como os demais. E segundo, o vi minutos atrás com um pequeno maço de dinheiro em mãos, comprando drogas. Ninguém mais ali tinha dinheiro para “esbanjar” como ele.

— Como pretende absolvê-los deste mal, chefe? — perguntou meu aprendiz.

— Ora! Exterminando-os e acabando com seus sofrimentos! — respondi.

Cansado de toda sujeira deste mundo, anos atrás tornei-me “Blademan, o Redentor”. Quanto ao Aprendiz, trata-se somente de um estorvo qualquer que me seguiu como discípulo. Seu irmão fora morto por minhas mãos. Aprendiz teve quase o mesmo destino. Quase. Na época, tive misericórdia quando ele, com um olhar vazio, confessou-me que merecia algo pior do que a morte. Foi o primeiro ser que mereceu minha benevolência. Agora, lá estávamos Aprendiz e eu no Beco, prontos para a ação.

— Preste atenção, Aprendiz! Aprenda o que tem que aprender, pois um dia você será meu sucessor. Não viverei para sempre, todo dia é nosso último dia neste mundo infernal — falei. — Vamos! Chegou a hora da purificação destes marginais!

Em um salto, pulamos sobre aquele aglomerado de zumbis narcotizados. Desembainhei minha espada de titânio e dilacerei as carnes de quem se encontrasse à minha frente. Atrás, seguia-me Aprendiz com uma adaga de ponta curva e corte serrilhado. Sinceramente, eu não gostaria de ser seu alvo naquele momento.

Tudo corria conforme nossos planos. Exatamente igual a tantas outras vezes. Pelo menos era o que eu imaginava. Nunca gostei de armas de fogo. Nada se comparava à uma lâmina usada num combate corpo a corpo. Porém, de repente, sentia meu corpo tombar pesadamente. Cinco buracos de bala de uma pistola Glock 9mm estampavam meu tórax. Nunca imaginei que um daqueles viciados estaria tão bem equipado.

Aprendiz praticamente voou para cima do verme que atirou em mim, dando-lhe golpes fatais. Quando meu discípulo parou de golpeá-lo, pude ver a face de meu executor: era o gordo viciado que vi momentos antes.

— Maldito viciado! — balbuciei com dificuldade.

Após limpar o sangue da adaga na calça, Aprendiz aproximou-se de mim. Fitava-me com olhar de piedade, já que eu me encontrava estirado no chão, emborcado em um charco de sangue.

— Nunca imaginei que acabaria assim, chefe! — disse-me Aprendiz, com voz compassiva. — Chegou a hora de você ser purificado.

— Raios! — exclamei, bem fraco. — Que diabos está dizendo? — questionei.

Mal tive tempo para refletir e já sentia o toque frio e serrilhado da mortífera adaga transpassando meu pescoço. O corte foi rápido e indolor. Enquanto o sangue jorrava de minha jugular, fitei apenas o vulto da capa negra de Aprendiz sumir na escuridão do beco afora.

Era um bom garoto, esse Aprendiz. Aprendeu tudo o que lhe ensinei. Nos meus últimos segundos, estampei um breve sorriso de satisfação. Afinal, eu realmente havia encontrado um sucessor à altura.

Aguarde escórias da humanidade! Ergue-se, agora, um novo Redentor!

 
   
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