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UM PAPO COM PHILIPPE SEABRA, DA PLEBE RUDEA visão crítica de alguém que esteve
no centro do furacão do rock de Brasília
Depois de quase uma hora de conversa, na Pizzaria Boa Praça, na histórica e mal tratada Praça Marechal Floriano Peixoto, em Itaboraí, ao lado do produtor cultural Sérgio Espírito Santo, o vocalista da Plebe Rude, Philippe Seabra, finalmente percebe que eu sou jornalista e se sai com essa:
– Você deve estar pensando “porra, que cara pedante!”.
De jeito nenhum, muito pelo contrário. Philippe é talvez o personagem mais acessível dessa já lendária geração do rock dos anos 80 (não que seja fácil tirá-lo atualmente de Brasília a não ser para a agenda de shows da Plebe). Prova disso foi a atenção que o cantor dispensou a cada um dos fãs da banda que prestigiaram o evento do Dia de Luta Contra a Aids – a conversa, os autógrafos, os elogios aos músicos locais.
A questão é que Philippe Seabra é um cara aberto a qualquer conversa, não se furta a falar sobre temas espinhosos como o quanto as drogas atrapalharam a vida e a carreira de alguns de seus contemporâneos ou sobre alguns abusos cometidos contra a memória da origem do Rock de Brasília. Tem opinião crítica sobre tudo e todos e demonstra facilmente que não perdeu a veia política que fez da Plebe Rude “a banda mais engajada politicamente” do rock dos 80, nas palavras de Arthur Dapieve. Ele espinafra políticas assistencialistas, a corrupção, a falta de política cultural no Brasil, bem como algumas idiossincrasias do povo americano (Philippe é cidadão americano, nascido em Washington D. C., e eleitor de Obama). É um “punk maduro e educado”, se é que isso não é uma contradição.
A indústria fonográfica, sempre à cata de novas modas, é um dos seus alvos preferidos – vale lembrar que a Plebe, já no seu primeiro disco, esculachou as gravadoras e mercado da música na canção “A minha renda”. Ele mantém o controle criativo da Plebe e está à frente de vários projetos, como um documentário sobre a banda e um novo CD, sempre consultando o baixista André Muller – tudo isso, sem fazer concessões. A Plebe grava o que quer, quando quer, isso é certo. E como o auxílio luxuoso de outra lenda dos 80, o guitarrista Clemente, dos Inocentes, a banda continua em plena atividade.
Despencar de Brasília para Itaboraí para um show (que só terminou por volta das 2 horas da manhã) com viagem de volta marcada para as 8 horas de um domingo – tudo isso para participar de um evento de conscientização sobre a Aids – é uma coisa de quem ainda acredita no poder de transformação que a música tem. “Não tem como negar um pedido do Sérgio Espírito Santo”, dispara ele, não sem antes conversar sobre guitarras Les Paul, sobre ídolos como os guitarristas Pete Towsend e Jimmy Page e sobre o nascimento recente de seu primeiro filho. Já esteve aqui em outra edição do Dia de Luta Contra a Aids, quando tocou com Frejat (Barão Vermelho) e Fred Nascimento (Legião Urbana) em frente ao Teatro Municipal, e se apresentou, com a Plebe, no aniversário de 200 anos da Casa de Cultura. Itaboraí, portanto, para ele, não é tão longe assim.
Philippe Seabra solo, como o que foi visto em Itaboraí neste 1º de dezembro, não é algo comum – se bem que, tocando pela primeira vez com músicos da terra (o baterista Nanci, os baixistas Alex Costa e Gibran, e o guitarrista Rafael “Madruga”) e com uma guitarra emprestada, ele não parecia “solo”, e sim entrosado. Nada de “trovador solitário”, como seu velho amigo Renato Russo, tanto que o violão que trouxe mal saiu do “case”. No repertório, Plebe Rude, Paralamas, Clash, etc.
Caçula da turma de Brasília, Philippe Seabra começou a andar com os roqueiros que gerariam a Legião Urbana, a própria Plebe, o Capital Inicial e outras bandas, aos 14 anos. Ele pensa, realmente planeja, escrever um livro – acha que já teve tempo suficiente para também estabelecer um senso crítico sobre tudo o que ocorreu. Mesmo tendo feito a trilha e a produção musical do documentário “Rock de Brasília” e dado depoimentos para o livro “Diário da Turma”, de Paulo Marchetti, Philippe acredita que ainda falta muito para que se consiga retratar a complexidade daquele movimento, surgido em meio ao concreto de Niemeyer e à cidade com asas de Lúcio Costa. Em breve, ele vai contar a sua versão da história. Aguardemos.
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