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O PÁSSARO E O MESTRE

Eram cinco horas da tarde, de um dia de verão escaldante, quando Jesus e seus discípulos chegaram a um morro onde havia muitas árvores. Eram oliveiras, as árvores que dão azeitonas. Jesus, cansado de andar, sentou-se à sombra de uma delas e, encostando-se no tronco, tirou as sandálias, esticou as pernas e, curvando-se, massageou os doloridos pés. Os seus apóstolos, chefiados por Pedro, confabulavam sobre o trabalho daquele dia. Foi estafante. Sermões, milagres e crianças, muitas crianças. A saúde de Jesus era a preocupação de todos. Pedro, com o olhar perdido no horizonte, lembrava de fatos acontecidos entre o Mestre e as crianças.

A presença de Jesus, em qualquer lugar da Galileia, atraía as crianças, e Pedro se perguntava de onde o Mestre tirava tanta energia para atendê-las. Ele sentava meninos e meninas em círculo e, no centro do círculo, ele, acomodado sobre um tapete, contava histórias da casa do seu pai. Depois brincava com elas. Jogos e cantoria eram os favoritos. Depois ele fazia desenhos na terra e perguntava:

- Quem sabe que bicho é este?

Foi num dia de muitas brincadeiras que, no meio da confusão de vozes, o Mestre ouviu a resposta a sua pergunta vinda do mais novinho dos meninos:

- É um tavalinho... um tavalinho.

Jesus, sorrindo, levantou o pequenino, sentou-o em seu colo para dar prosseguimento à brincadeira. A lembrança estampou um sorriso no rosto do discípulo. Mas as recordações alegres não foram suficientes para afastar, de Pedro, a preocupação com o bem-estar do Mestre.
- Ele precisa descansar. Não sei como aguenta. – resmungava ele.

- Pedro, não se esqueça: Ele é filho de Deus! – disse, enfático, Tiago, um dos seguidores de Jesus.

- Eu sei! Você reparou no semblante dele? Ele é de carne e osso como nós. – insistia o apóstolo.
- O melhor que se tem a fazer é deixá-lo sossegado. Não façamos barulho. Vamos parar com esta discussão sobre o trabalho de hoje para que ele possa dormir um pouco. – sugeriu André, outro apóstolo de Jesus.

Judas Tadeu, primo de Jesus, disse:
- Estou de acordo. Vamos nos calar. – repetiu “calar” duas vezes olhando para Bartolomeu (outro discípulo) que continuava falando sem parar.

Enquanto esta conversa acontecia, um pássaro, pousado num dos galhos da oliveira, começou a cantar como se quisesse alegrar e, ao mesmo tempo, amenizar o cansaço do Mestre. Eram trinados graves, agudos e médios. A voz do pássaro foi aumentando, aumentando. Jesus, maravilhado, ouvia o canto. Agora o seu rosto não tinha mais os sinais de fadiga. Ele ganhou um brilho, uma luz que só se vê na face de um santo. Em determinado momento, ele levanta os olhos e vê o cantor concentrado em sua melodia. Então Jesus começou a imitar o passarinho.

Os discípulos ficaram caladinhos. Só se ouvia o pássaro e o Mestre. E foram muitos minutos de disputa. Lá pelas tantas, Jesus parou, mas o pássaro continuou. Pedro, admirado, cochichou no ouvido de Tiago:

- Por que será que ele parou? Ele pode vencer o passarinho. Para quem derrotou doutores na sinagoga é muito fácil.

- Talvez não tenha mais fôlego para acompanhar a avezinha. Respondeu Tiago.
Jesus, que ouvira o cochicho de Pedro, disse sorrindo:

- Meu filho, cada um com seu talento. Minha garganta está seca. Mesmo que eu cantasse dia e noite, ele me venceria porque foi feito para cantar e eu para escutá-lo.

Os apóstolos ficaram de boca aberta. Que dizer diante de tanta sabedoria? Limitaram-se a olhar, com respeito e admiração, para aquele homem sábio, plácido e santo. As palavras dele ecoavam na mente de todos como um desafio, uma equação cujo resultado era sempre uma lição de vida.

04/02/08

(Histórias que contava para o meu neto)

(Maria Hilda de J. Alão.)

 
   
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