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Sobre o envelhecimento precoce II – Coração de algodão ... Continuação
... Já os estudantes davam entre um e cinco centavos. A vida para quem estudava era difícil, à época. As profissionais do local gostavam de mim, por ser prestativo e ter um rosto triste, então a vida ficou bem mais suave. No meu aniversário de dezenove anos recebi uma festa! A primeira de minha triste vida! Um bolo Pullman de laranja com refresco Tang. Nunca havia comido algo tão gostoso ali! No quesito alimentos, claro.
Logo elas resolveram me adotar e me colocaram para estudar no supletivo durante a semana, e investir no ensino à distância, através de cartas no famoso Instituto Universal Brasileiro. O curso era de encanador. Com vinte e um tive um aumento e mudei de cargo, consertando todo o sistema de encanação do prédio, mas não deixava de fazer o mesmo serviço que sempre fiz para elas de ir comprar produtos de higiene íntima, remédios, tudo o que precisassem.
À medida em que o tempo passava, muitas foram se aposentando, outras sofreram destinos tristes... Com a mudança dos tempos resolvi deixar o emprego e fiz curso para papiloscopista. Mudei de área. Fui para o IML e tive a honra e a tristeza de receber diversas velhas amigas rumo ao desafio final.
Anos depois o prédio foi demolido e no local levantaram uma academia bastante iluminada, cheia de gente cuidando supostamente da saúde. Tenho vergonha de entrar. Quem convive comigo não consegue evitar de me tratar como tiozão do churrasco, embora eu muitas vezes seja bem mais jovem do que eles. Tenho as mãos de pedra e o coração de algodão, uma vida inteira convivendo com o sofrimento próprio e com o sofrimento alheio.
A arte de aprender com o mundo deixa marcas profundas. Ensinam que sempre há um lado bom nas pessoas que às vezes não aparece durante a vida toda. E tudo é válido, todos os seres importam, embora muitos não se importem.
Marcelo Gomes Melo
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