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Caso de amor de horror

Incrível! Estávamos namorando há dois dias, e durante esses dois dias trocamos algumas palavras, bebemos muitas cervejas e nossos olhares guerrearam ousadamente, vorazes, canibais, por bastante tempo. Sorrisos tortos, silenciosos e toques com as costas das mãos, aparentemente acidentais.
Eu paguei a conta e saímos lado a lado, ombros colados. Paramos na calçada um momento naquela madrugada fria com alguma neblina, olhando para os dois lados da rua mal iluminada, até que segurei a mão dela e saí caminhando. Ela não se opôs, me seguiu docilmente. Quando entramos no meu prédio ela olhou em volta o ambiente silencioso, quase sem curiosidade, e entramos no elevador. Quarto andar. De mãos dadas alcançamos o final do corredor, meu apartamento número doze.
Enquanto o abria, ela me observava, com olhos sorridentes. Entramos. Ela bebeu água gelada, deu uma rápida inspecionada no local ainda com o olhar e veio atrás de mim para o quarto. Isso foi há dois dias. Poucas palavras, muitas mãos despindo um ao outro e explorando os corpos um do outro.
Estranhamente não houve gemidos de filmes pornô. Éramos silenciosos, cuidadosos e carinhosos. Cada toque era uma descoberta, cada beijo um sabor diferente. A cama era o nosso país particular, uma nave espacial utilizada completamente, em cada milímetro.
Não houve pedidos, exigências ou perguntas. Sabíamos o que fazer naturalmente e o fazíamos com rara sensibilidade. Repetíamos. Compartilhávamos água e sorrisos sem som. Os belos grandes olhos escuros com os quais me olhava eram hipnotizantes. Pareciam conter uma pergunta profunda, uma dúvida imensa que acelerava o meu coração, e me tornava esfomeado por conhecer e delinear um mapa secreto do seu corpo, que me daria, supostamente, algum alívio para a necessidade que eu tinha de possuí-la.
Com fome, sentamos nus nas cadeiras da pequena cozinha e comemos chocolate, miojo e sorvete, nos beijando nos intervalos, misturando sabores. No colo a carreguei de volta para a cama desarrumada, nossa nave segura para aprofundarmos as nossas necessidades de um prazer indescritível.
Por volta da madrugada do segundo dia, debruçado sobre ela, olhos nos olhos sussurrei roucamente, de forma quase inaudível: “Minha namorada”. E no mesmo instante, no mesmo tom, ela não hesitou em responder, ainda mais baixo: “Meu namorado”. Selamos o acordo com sorrisos abobados e beijos vorazes.
Ao amanhecer do terceiro dia adormecemos abraçados, cansados e saciados. Um sono sem sonhos, os corpos restaurados do estresse, das dúvidas e de qualquer tristeza. Um respirar saudável como há muito tempo não sentíamos.
Acordei por volta das duas da tarde na nave desarrumada. Esticando o corpo, com fome e vontade de sorrir. Finalmente falar, tentar colocar em palavras tudo o que foi vivido tão intensamente com ela, infindável, infinito, maravilhoso, um marco para uma vida. Duas vidas. Duas vidas em uma vida.
Ela não estava ao meu lado. Levantei e fui até o banheiro, lavei o rosto, escovei os dentes, passei a mão pelos cabelos espalhados. Fui à sala vazia. Ao alcançar a cozinha eu já sabia que ela havia ido embora. Sem despedidas.
Uma sensação nova me deu vontade de chorar. Peguei água na geladeira e sentei em volta da mesa em que, há dois dias dividíramos iguarias. Então notei na mesa rústica de madeira, entalhada com a faca de cozinha, uma frase singular: “Namorados”. Ainda não sei da melancolia que sinto, não voltei ao bar em que nos conhecemos, segui a vida. As lágrimas noturnas limpam os olhos, mas não explicam nada. Coisa alguma.

Marcelo Gomes Melo

 
   
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