SOBRE DEUS E A CIÊNCIA
SOBRE DEUS E A CIENCIA
Roberto Schima
Quando criança, fiz o pré-primário em uma escolinha religiosa, na Vila Esperança, zona leste da capital paulista. Em cadernos contendo páginas quadriculadas, as madres me ensinaram a ter firmeza no traço, a medida em que o lápis ia percorrendo aquelas linhas horizontais e verticais, formando figuras geométricas, ondas de diferentes formatos ou desenhos de mesmas dimensões (como, por exemplo, uma sucessão de sinos). Recordo-me vagamente até de ter assistido a um filme religioso. Acho que era sobre a vida de Jesus. Tive noções sobre o bem e o mal, e sobre a existência de um Criador benevolente que zelava por nós. Tirei até um diplominha de formatura, em 1966, aparecendo sorridente na foto enquanto segurava com um certo orgulho uma caneta esferográfica (recordo-me disso por ter me sentido um tanto importante, pois, só havia usado lápis, até então).
Quando eu passei da adolescência assumi uma posição semelhante a do falecido astrônomo Carl Sagan e do físico Stephen Hawking no sentido de não ver espaço para Deus em um Universo regido por Leis que poderiam ser compreendidas e explicadas. Não via lugar para Deus em um mundo interpretado à luz da Ciência.
Parte dessa minha opinião pude atribuir ao meu ceticismo com relação a toda forma de religião organizada, aos grupos de pessoas ou indivíduos que se julgavam os porta-vozes da divindade, quando, no fundo, a intenção era apenas tentar convencer os outros de que eles estavam certos; e todos os que não pensavam da mesma forma, errados (ou pretendiam somente arrebanhar mais adeptos e deles extrair dinheiro). Se houvesse alguém de fato com a razão ou com a Verdade (com “v” maiúsculo), não existiriam tantas religiões e, mesmo dentro de uma única religião, tanto sectarismo, levando a diferentes tipos de igrejas ou doutrinas. E com base em quê? Apenas na forma como cada um interpretava a Escritura de acordo com suas próprias convicções ou interesses. No final, para mim, essas diferentes igrejas não passavam de clubes, cada qual com seus regulamentos, seus “uniformes”, suas atividades sociais, sua hierarquia, seus presidentes, suas mensalidades, cada um defendendo seu “time” dos times adversários.
A Ciência, pelo contrário, baseia-se na objetividade, em fatos, na experimentação, e, ao contrário da Religião com seus dogmas, possui maleabilidade no sentido de reconhecer quando erra, procurando corrigir esse erro. É um processo dinâmico de contínuo aprendizado e aprimoramento na tentativa de compreender a Natureza e suas Leis. Não há imposições ou fanatismos (pelo menos não deveria haver), não obstante o cientista, enquanto indivíduo, ser sujeito como qualquer um a toda sorte de falhas - de caráter inclusive. Ninguém será queimado na fogueira ou excomungado (pelo menos não deveria ser).
No princípio dos anos 90, cheguei a escrever uma história onde havia esse antigo conflito entre Ciência e Religião, intitulada “O Olhar de Hirosaki”. Não chegou a ser publicada, mas penso de revisá-la a fim de alcançar esse objetivo. Nela, tentava ser imparcial, todavia, pela minha própria posição na época, tendia naturalmente para o lado científico. Mantinha em mente aquele triste e clássico episódio de Galileu Galilei perante a Igreja Católica, ao objetar da Terra ser o centro do Universo, segundo concluiu após as descobertas que fez ao telescópio. Ainda assim, já perto do final, expus a seguinte pergunta:
“Não teria acontecido assim desde o princípio? Não seríamos nós, todas as coisas materiais e imateriais, filhos no útero de Deus?”
Resmungava comigo ou com Deus, procurando respostas, xingando, reclamando, questionando.
Atualmente, com a idade, creio que dentro de mim houve uma certa conciliação ou acomodamento. Toda aquela aparente convicção sobre não crer em Deus acabou se deparando com um impasse no momento em que, desapaixonadamente, parei e fiz a mim mesmo uma simples pergunta: Como posso não acreditar em Deus se discuto tanto com Ele? Refletindo sobre isso, acabei por concluir que, independentemente de qualquer lógica, de qualquer metodologia científica, de qualquer espécie de religião, de qualquer tipo de questionamento, de minhas aparentes convicções, na serenidade de meu íntimo, eu acredito. Sim, acredito em Deus (não em igrejas). Não me perguntem por que, pois eu próprio não saberia como colocar em palavras (e nem estou preocupado com isso). Não me ponham diante de conclusões científicas, pois eu próprio me vejo diante de tais questões. Não me indaguem sobre como eu acho que seja Deus, qual o seu papel diante do Universo ou como eu imaginaria sua figura. Não tenho a menor idéia, exceto que, com todas as probabilidades, não deve ser a personificação de um velhinho WASP de longos cabelos e barba brancos, trajando uma túnica imaculada e flutuando entre as nuvens, cercado de querubins. Acho que é apenas uma sensação arraigada, um sentimento, aquilo que alguns - por falta de melhor definição, ou não se importando com definição alguma - chamam de Fé. Todavia, sejamos honestos: cá entre nós, quantos, em um momento de muita aflição, não mencionou o nome de Deus, considerando ser isso algo além de uma simples interjeição? Faça a si mesmo esta pergunta e, depois, reflita sinceramente consigo sobre a resposta.
Mas não se diga que estou em desacordo com a Ciência. Continuo a acreditar firmemente que a Ciência é o melhor caminho na busca da compreensão. Continuo a admirar os escritos de Carl Sagan e a apreciar textos abordando Charles Darwin, a Evolução, a explosão cambriana, a extinção em massa do Permiano, trilobitas e dinossauros. Todavia, também sou grato às madres por terem me instruído em meus primeiros passos no caminho do saber.
Penso que não há, por exemplo, divergência entre a teoria da evolução e um mundo criado por Deus. Não poderia ser a evolução a ferramenta utilizada por Deus para fazer surgir a vida da matéria inanimada? E não acabou a Ciência por se deparar com a Escritura no derradeiro momento do princípio de todas as coisas, o “Big Bang”, quando, então, fez-se Luz?
Por certo continuarei a ler livros e artígos científicos, a procurar respostas, a fazer perguntas, a questionar ambos os partidários das duas correntes que vivem a se digladiar. A esta altura da vida, é bem provável que eu não tomarei partido integral de nenhum dos lados, e nem terei qualquer resposta para o meu próprio convencimento. Tampouco estarei preocupado com isso. Não quero de forma alguma fazer pensar que, agindo assim, significará que eu estarei com a verdade (com ou sem “v” maiúsculo) - longe de mim ter tamanha pretensão e muito menos a intenção. Penso apenas que ninguém necessita ser convencido por intermediários ou porta-vozes, sejam eles cientistas ou religiosos. Precisa sim ter o maior número de informações sobre todos os pontos de vista para, a partir de então, em um canto solitário e tranquilo, ponderar e chegar as suas próprias convicções, ficar em paz consigo próprio e sua consciência.
E seja lá o que ou quem for o responsável por tudo o que existe ao nosso redor, fez um belíssimo trabalho.
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