Efuturo: MENTIRAS PIEDOSAS

MENTIRAS PIEDOSAS

MENTIRAS PIEDOSAS
Joanna era a parteira do povoado Dois Morrinhos, situado no triângulo mineiro. Malva, uma jovem de 18 anos deveria dar a luz naquela semana, mas, Joanna notou algo diferente na barriga da moça, e a encaminhou para ser consultada pelo Dr. Eduardo, médico que atendia aos moradores na cidade sede de seu povoado.
No hospital, havia um aparelho de ultrassonografia e após ser examinada, a futura mamãe foi encaminhada à sala de partos onde, Dr. Eduardo com a ajuda de sua fiel enfermeira, foi submetida a uma cesárea.
Malva ficou muito feliz ao ver seu lindo menino, que embora pequeno, era muito saudável. Receberam altas três dias depois de seu parto e, com seu marido Antonio Maria, aproveitou e registrou a criança no Cartório da cidade.
O que Malva jamais soube é que Dr. Eduardo fizera o parto de gêmeos.
A esposa dele, também, havia parido dias antes um natimorto, mas isso lhe foi ocultado. Acreditava ela que seu filho estava em uma incubadora ganhando peso.
O médico viu no nascimento dos gêmeos a possibilidade de levar um deles e apresentar a sua mulher como seu filho.
Foi o que fez, registrou Francisco, nome escolhido pela sua esposa em homenagem ao santo, sendo ele criado com todo conforto.
Sua verdadeira história, somente lhe seria revelada 20 anos depois, quando estudava muito para formar-se medico como “seu pai”.
À alegria do jovem casal, partilhada com amigos e parentes, durou apenas uma semana. Malva sem que ninguém nada entendesse, tornou-se violenta, começou a ter alucinações e delírios. Na época, as pessoas não sabiam ou conheciam o que hoje é conhecido como PSICOSE PÓS-PARTO, uma forma mais severa da depressão pós-parto.
Antônio Maria notou que ela estava tratando mal o próprio bebê. Receando que algo muito pior pudesse acontecer, e sem que Malva soubesse, resolveu levar a criança para ser cuidada por seus familiares até que a esposa melhorasse.
Para evitar ser visto, seguiu por um caminho conhecido desde sua juventude, cruzaria um rio de águas normalmente calmas, mas, como na noite anterior choveram muito, essas águas estavam revoltas.
Mesmo assim, Antônio Maria improvisou uma jangada com troncos de madeira e, no escuro da noite iniciou a travessia do rio.
No meio do percurso a correnteza mais forte virou a pequena embarcação. O pai consegue chegar à outra margem do rio, mas, seu filho desaparece no turbilhão das águas.
Desesperado Antônio procura sem êxito o bebê.
Receando as consequências de seus atos, desiste da sua busca infrutífera e foge para bem longe.
Ao amanhecer, Malva nota a ausência de seu marido e do filho. Os vizinhos tentam achá-los em vão.
Todos concluem que Antônio fugiu dali levando a criança.
Ainda sob efeito da doença, a moça pouco se importou com o desaparecimento, na cabeça dela, o marido estaria responsável pelo seu filho. E reconhecia ter sido uma péssima mãe.
Dois meses depois, curada, Malva vai a uma quermesse no povoado. Durante a festa reencontra Ariovaldo, um antigo namorado, que estava de passagem. Carente e inebriada pelo vinho quente do qual abusara, acabou a noite nos braços do rapaz. Quando acordou pela manhã, ele havia partido sem deixar nenhum recado e para local ignorado. Porém, o que parecia ter sido apenas uma noite de amor, foi o inicio de uma nova gravidez.
Desta vez, foi à parteira Joanna quem fez o parto de mais um menino. Malva não apresentou problemas de saúde, mas, resolveu mudar-se e começar vida nova em São Paulo, vai morar com sua irmã mais velha que não via há anos.
Emprega-se como cozinheira e está feliz.
Carlos Alberto, nome dado a seu filho, vai crescendo, e aos três anos de idade, Malva decide colocá-lo em uma creche.
Ela jamais se preocupou em registrar essa criança, e só se dá conta disso, no momento da matrícula, quando a certidão de nascimento é solicitada.
Promete entregar o documento no dia seguinte, e de fato faz isso, mas, apresenta a certidão do filho desaparecido
Ninguém nada percebe, pois ambos se chamam Carlos, um, Alberto e outro, Eduardo.
Na creche, Carlinhos mostrou seu lado risonho, brincalhão, amável, companheiro, era uma criança feliz, mas, nos estudos nada lhe interessava.
Bastava sua mãe se distrair para ele estar com uma bola nos pés.
E assim foi crescendo.
Durante as aulas de esporte na escola, destacava-se por sua incomparável habilidade. Era tão fenomenal que, seu professor resolveu apresentá-lo ao treinador de um grande clube de futebol profissional. Chamou a atenção já na primeira “peneira” para garotos da sua idade.
De imediato, é contratado por um empresário conhecido por revelar jovens talentos. Apostando no futuro do rapaz, passa a custeá-lo para que a família possa se manter numa boa condição. Malva deixa seu emprego para acompanhá-lo aos treinos.
Ao completar 15 anos de idade, é convocado para integrar a seleção brasileira de futebol sub 16, e conquista o seu primeiro titulo mundial.
A imprensa esportiva já o coloca como futuro melhor jogador do mundo, e, ao ser convocado para a seleção brasileira sub 17, ganha todos os títulos que disputa.
Estava confirmado, surgia ali um novo gênio do futebol. Poucos atletas no mundo chegam à seleção de seus países com tão pouca idade, mas, Carlinhos, junto com seus companheiros conquista a medalha de ouro olímpica de futebol e o Campeonato mundial de seleções.
E é escolhido como o melhor jogador de futebol do mundo.
No retorno ao Brasil, após a conquista de mais uma copa mundial, como de costume, toda delegação de jogadores é recebida em Brasília pelo Presidente da Republica. Em entrevista coletiva, transmitida para todo pais, um repórter pergunta:
Carlinhos, você já conquistou todos os títulos que um atleta poderia, tem uma situação financeira excelente, o que mais ainda pode querer nessa vida? Ele respondeu lacônico:
¬_ Gostaria de poder reencontrar meu pai Antônio Maria Menezes De Souza e Silva, que desapareceu a muitos anos do povoado de Dois Morrinhos e meus avós Angelina Maria e José Maria.
Essa entrevista estava sendo acompanhada por Antônio Maria, que ao ouvir seu nome e os nomes de sua mãe e de seu pai conclui aos gritos:
_ Meu filho não morreu naquele rio, ele não morreu!
Antônio Maria morava numa pequena cidade em Tocantins e não possuía recursos para ir ao encontro de Carlinhos em São Paulo.
Daí teve a idéia de contatar uma emissora de TV e conceder uma entrevista exclusiva em troca do pagamento de suas despesas de viagem.
E foi o que fez, mas omitiu o episódio do rio. Contou apenas que resolveu se afastar devido a problemas de saúde de sua esposa. Na sequência o repórter pergunta:
_ Então você só voltou agora porque seu filho está rico e famoso?
Antônio Maria, constrangido responde:
_Não amigo, eu não voltei por isso, o fato é que eu tenho leucemia, e ainda não achei nenhum doador compatível, minha esperança agora, é meu filho.
A entrevista termina e Carlinhos já está no estúdio para conhecer seu pai. Após um encontro emocionado e sem palavras, ambos seguem para a casa de Malva, esta sem alardes chama Antônio e lhe pergunta:
_Que história é essa, você fugiu com o outro meu filho e agora está dizendo ser o pai deste? Antônio tenta relatar o ocorrido no rio, mas Malva sem pestanejar dispara:
_Esse filho não é o seu, o pai dele é outro, que também sumiu como você. Eu apenas usei a certidão do outro filho para matricular esse na escola.
Malva, contudo pede á Antônio Maria que mantenha ser o pai de Carlinhos, já que ele desconhece seu passado, e quer tanto ter um pai.
Os exames efetuados para a doação da medula resultam incompatíveis.
Longe dali, Dr. Eduardo, acompanhava pela TV ao desenrolar de todos os acontecimentos relativos ao meio irmão de Francisco, seu filho.
Como sua esposa havia falecido no ano anterior, resolve revelar toda verdade sobre o sequestro do bebê praticado por ele.
Muito emocionado, Francisco ouviu toda narrativa de seu pai, ainda com lágrimas nos olhos comenta:
_Não o culpo, pode ter sido até obra do destino, afinal, vocês dois me deram educação, estudos e carinhos que meus legítimos pais não poderiam dar. Mas, sabem que seu aparecimento agora traria sérios problemas para Dr. Eduardo, poucos entenderiam sua atitude.
Pensa então apresentar-se como um doador de medula, mas seu pai lhe diz:
_ Filho, passei todos esses anos de minha vida sabendo que chegaria o dia da verdade, sei que errei, por melhor criação que venho lhe dando, cometi um crime, devo pagar por ele. Vá e salve seu verdadeiro pai.
Francisco segue para São Paulo, descobre o telefone de Malva e apresenta-se como um conterrâneo de Dois Morrinhos e gostaria de tentar ser o doador da medula.
Ela não gosta da ideia, afinal, aquela cidade só lhe traz más recordações, mas, Antônio desesperado concorda em vê-lo.
Quando o encontro acontece, sem rodeios, Francisco inicia a conversa dizendo:
_Sou o verdadeiro filho de vocês dois.
Antônio Maria, não espera o rapaz concluir sua apresentação, e aos gritos diz:
_ Malva, ele não morreu naquele rio, ele esta vivo! Vivo! Vivo!
Usando a prudência de ouvir mais e falar menos, Francisco sorri alegremente, e entre muitos abraços, pergunta: _ Por que motivo achou que eu havia morrido em um rio?
Antônio Maria, conta toda a história da travessia desastrada com o bebê recém-nascido, imaginando, sempre, estar diante daquela criança, e complementa: _ Passei toda minha vida, desde aquele momento, sentindo remorso de ter provocado a sua morte, mas, vejo que o seu destino foi outro.
Francisco, atônito diante de tais revelações sente-se invadido por um turbilhão de pensamentos: Ao tomar a atitude de levar um dos gêmeos, meu pai também me salvou de um afogamento, o que fatalmente, teria acontecido se os dois bebês estivessem na jangada.
Nesse emaranhado todo, consegue vislumbrar a possibilidade de livrar seu pai das consequências do rapto e comenta:
_Sim, fui salvo por um pescador que me levou ao médico.
Eu estava muito roxinho de frio e muito mal. Depois de muitos cuidados esse médico acabou me criando como seu próprio filho.
Malva conta para Francisco que havia usado a sua certidão de nascimento, por esse motivo, Carlinhos chamava Antônio de pai.
Assim, combinaram que ele seria apresentado a todos como um sobrinho distante, que surgiu para tentar doar a medula. Carlinhos seguiria acreditando ser Antônio seu pai, e seu meio irmão apenas um primo.
Francisco é apresentado á Carlinhos, como sendo um primo distante de Antônio Maria. E mesmo sem saber que está diante de um meio irmão, torna-se muito amigo dele.
Dias depois, após vários exames, vem à confirmação da compatibilidade de Francisco para doação da medula.
O procedimento, é realizado com sucesso e, como era de se esperar tem grande divulgação na mídia.
Durante toda a fase de recuperação de Antônio, Francisco passa a admirar seus pais muito mais pela simplicidade de ambos, do que propriamente pelos laços sanguíneos, Carlinhos e ele são vistos sempre juntos, e o afeto entre eles é enorme.
Quando a equipe médica anuncia a cura de Antônio Maria, Francisco resolve voltar para sua casa no interior.
As despedidas são emocionadas, mas o também futuro médico deve retornar para continuar seus estudos.
Malva e Antônio Maria, embora morando juntos na casa do craque Carlinhos, dormem em quartos separados, a união entre eles é apenas de fachada, mas vivem felizes.
De volta ao lar e, após narrar com detalhes toda à experiência vivida na viagem, Francisco analisa com seu pai de criação toda a situação.
Tranquilos iniciam uma longa conversa, concluindo:
Dr. Eduardo mentiu para sua esposa, mas, desse modo, deu a ela a oportunidade de criar uma criança com todo amor que uma mãe tem por seu filho. Ao ser raptado, além de ser criado com muito carinho e estudar nas melhores escolas, Francisco teve sua vida salva pelo pai adotivo, pois, fatalmente seria outro seu destino se estivesse com seu irmão naquela jangada. Carlinhos encontrou em Antônio Maria um pai, a quem amaria por toda vida. Esse, por sua vez, sentia-se aliviado com a sobrevivência de Francisco que ele acreditava ser o filho perdido no rio. Com o reaparecimento do filho de quem usou a certidão, agora com outro nome, Malva também estava livre de problemas. E por derradeiro Francisco pergunta ao Dr. Eduardo:
_ Pai, e meu irmão gêmeo? E se ele realmente foi salvo por alguém das águas do rio?
Olhando o filho no fundo dos olhos, Dr. Eduardo arremata.
_Acredito que no mundo, muitas vezes, milhões de pessoas valeram-se de mentir, omitir ou enganar, como melhor alternativa. A menos que, você, por ser idêntico a ele, ou alguém nosso conhecido o encontre ele jamais conhecerá a sua verdadeira história, enquanto isto não acontecer, as MENTIRAS PIEDOSAS contadas, prevalecerão.
SERÁ O FIM? Por Tito Cancian - italianodeoderzo@hotmail.com