Entre fumaças e concreto
Esses dias sonhei que construía um prédio. Um prédio bem alto, lá no centro da cidade. O sonho acabou bem na hora que ele ia ser inaugurado. Acordei encabulado, afinal justo quando o mundo finalmente ia ter uma marca minha, fui pego pelo despertar repentino.
Levantei, tomei três goles de café fresco, troquei de roupa e saí. Estava pronto para enfrentar o mundo e seus arranha-céus.
Tomei o ônibus e no caminho de meu destino vi gente de todo tipo: alto, magro, judeu e palestino. Vi até uma mulher de cabelos castanhos e olhos gigantes que falava no telefone aos berros.
- VOCÊ VAI ME PAGAR EVANDRO, VAI ME PAGAR, FALHOU COMIGO, gritava.
Nada no entanto, conseguia prender minha atenção. Eu estava fissurado no meu sonho. Naquele filme, A procura da felicidade, a gente aprende que tem que ir atrás do nosso sonho, mesmo que seja ser um corretor da bolsa enquanto você seja um morador de rua desempregado. Mas e se esse sonho for cortado, interrompido, justo na melhor cena? Como uma TV que você desliga da tomada e depois quando liga, fica tentando sintonizar o canal de novo mas nunca consegue.
- Você deixou cair sua blusa, moço.
Desci do ônibus, já no centro da cidade e essas foram as primeiras palavras que ouvi. Olhei em volta, era de uma menina de uns 6 ou 7 anos. Sua mão esquerda segurava a mão de um homem branco gordo que eu acreditava ser seu pai. Na direita segurava minha blusa verde escura, um pouco suja, claro. Estendi meus braços, peguei e agradeci. Pensei em colocá-la para que o fato não se repetisse, mas senti o calor exaustivo na hora. Achei um daqueles termômetros de rua que marcava 29.6 graus.
Diferente de Evandro, este nunca falha - pensei.
Andei 3 quarteirões e abaixei para amarrar o cadarço. Quando levantei, meus olhos fixaram-se. Estava de frente para um dos maiores edifícios do quarteirão. Todo espelhado, com seu imponente tom de azul escuro, dando a impressão de que quando a Terra foi criada, ele foi criado junto, tamanha perfeição e sincronia que era.
Tão breve a admiração passou e fui tomado por pensamentos típicos de perdedor. Então é assim? Uns podem realizar seus sonhos, construir prédios, ser corretor da bolsa e tudo mais? Enquanto outros estão fadados a passarem suas vidas admirando os sonhos dos outros?
Resmunguei mais uns quarteirões e achei uma praça com três árvores no centro, escondida no meio dos prédios e automóveis.
Sentei e vi crianças atravessarem a rua. Vi dois idosos discutindo futebol. Vi carros buzinando contra o farol.
Essas coisas não acontecem todo dia.