Há algum tempo, em outra vida, trabalhei no campo.
Morava na fazenda, afastado de tudo, e a lida seguia com o dia.
Acordava cedo, antes do sol nascer.
Cortava cana para alimentar o gado, consertava cercas para separar os pastos.
Nos locais acessíveis ia de carro, mas o melhor era sair a cavalo.
Quando chovia tudo mudava, as estradas enlameavam, enquanto o capim crescia.
Era difícil entrar e sair da sede, pois os pneus do veículo deslizavam no barro, descontrolando a direção, quando não ficavam presos, prendendo a caminhonete no lamaçal.
Por muitas vezes precisávamos empurrar o carro para prosseguir em movimento.
Também tínhamos problemas com os cavalos, principalmente nos pontos mais elevados, pois estes escorregavam devido ao capim molhado.
Os animais deslizavam, tropeçando, quando não caíam conosco.
Lembro bem dos peões avisando:
_ Fica isperto! Se dirlizá, cê pula fora!

Naquela época, como consequência, deslizar para mim era apenas isso:
_ Deslocar em movimento contínuo, escorregar.

A vida seguiu e há pouco tempo, quase no presente, descobri que deslizar pode ser algo a mais, apresentando um sentido ampliado.
Surpreendi-me, durante um desencontro, quando num término de relacionamento, vi lágrimas deslizando pelo rosto da antiga companheira.
Não sei se por tristeza ou por orgulho, mas elas fluíram em profusão, enquanto ouvia todas as agressões não ditas durante os anos em que passamos juntos. E aprendi o seguinte:
_ Um novo sentido para o deslize. As lágrimas também deslizam.

Assim como hoje, vivendo na periferia de uma grande cidade, consequência das decisões erradas tomadas no passado, sigo surpreendendo-me:
Há alguns dias, na fila da lotérica, um senhor, ao sair do caixa, descuidou-se ao guardar seu troco no bolso e parte do dinheiro caiu no chão.
Optei por não interferir, mas não pude deixar de perceber quando outra senhora, olhando para um lado e para o outro, deixou cair uma de suas contas no chão, abaixando-se e pegando, junto com esta, o mesmo dinheiro que vira cair:
_ Hi! Hi! Deu mole! Hoje faço a festa!

Deslize meu por não interferir, confesso; mas, talvez, o que é roubo para uns, seja apenas um deslize para alguns. Vai entender...
E, para finalizar, quando você, no trabalho, tem aquela percepção particular, que ninguém mais foi capaz de observar, de que algo estranho pairou no ar...
Quando dois funcionários, por exemplo, saem para visitar um fornecedor e retornam diferentes...
Ele com o cabelo molhado, ela, descabelada; ambos esbaforidos, como se voltassem correndo, desesperados para retornar aos seus afazeres.
Apenas outro deslize pra ser guardado em segredo. Não daqueles que escorregam, mas dos que nos entregam, principalmente quando ambos são casados e não têm outros namorados.
Portanto, seja no campo, seja na cidade, não se importe com as definições que deslizar possa ter...
Apenas deslize e deixe deslizar.