RELEVÂNCIA HISTÓRICA DA GESTALTPEDAGOGIA . Estudo qualitativo das influências teóricas da Gestaltpedagogia em aprendizagem no ensino superior brasileiro
Trabalho de Conclusão de Curso de pós-graduação Lato sensu em Docência do Ensino Superior pelo Convênio UCDB/Portal Educação do Acadêmico Mauricio Antonio Veloso Duarte sob orientação da Professora Tânia Rocha Nascimento, Mestre da Universidade Católica Dom Bosco . Orientadora de Trabalho de Conclusão de Curso de pós-graduação Lato sensu da UCDB/Portal Educação . O Acadêmico Mauricio Duarte ocupa a Cadeira 56 . Patrono: Marechal João Batista de Mattos da AGLAC.
RELEVÂNCIA HISTÓRICA DA GESTALTPEDAGOGIA
Estudo qualitativo das influências teóricas da Gestaltpedagogia
em aprendizagem no ensino superior brasileiro
RESUMO:
O objetivo principal da pesquisa foi estabelecer a relevância histórica da Gestaltpedagogia no ensino/aprendizagem brasileiro no que se refere aos seus aspectos teóricos. Os estudos e as publicações na área da pedagogia a respeito da Gestalt aplicadas à abordagens teóricas conhecidas, utilizadas e/ou registradas em publicações foram analisadas com o intuito de elaborar trabalho bibliográfico, secundário e qualitativo, sendo um primeiro passo da investigação. Aponta-se ainda, as resoluções e os caminhos abertos por essa vertente em educação do ensino superior e em áreas correlatas como artes, cultura, percepção visual e espiritualidade/religião. Também, pretendeu-se relacionar os pontos de contato entre a Gestaltpedagogia e os trabalhos de Carl Rogers em Humanismo e Paulo Freire em Pedagogia do Oprimido.
PALAVRAS-CHAVE: 1.Aprendizagem 2.Ensino 3. Freire 4. Gestalt 5. Gestaltpedagogia
6. Rogers
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INTRODUÇÃO
Ao lado das Ciências Humanas, como a Sociologia, a Antropologia, a História e a Filosofia da Educação, a Psicologia é um dos Fundamentos da Educação. O desenvolvimento humano se faz também pela aprendizagem. Dessa forma, compreender os elementos multideterminantes do desenvolvimento humano é se familiarizar com as ideias que deram origem às teorias de aprendizagem. Nesse sentido, a Gestaltpedagogia tem grande contribuição a fazer, pois, segundo Bock (et al), “a psicologia da Gestalt é uma das tendências mais coerentes e coesas da história da psicologia.” (1993, p. 53)
Tal contribuição se torna mais relevante ainda quando verificamos que, segundo Olaf.Axel Burow e Karlheinz Scherrp, “a diferença fundamental entre terapias humanísticas, em especial a Gestaltterapia, e as outras, consiste na rejeição do modelo médico em favor do modelo educacional.” Aprofundando o tema, o próprio Fritz Perls (um dos iniciadores da Gestalt) defendia “o fim da separação artificial” em terapeuta e pedagogo em psicólogo pedagogo, sociólogo, por exemplo.
A popularização do termo insight – proveniente da teoria da Gestalt originariamente ou realizada em grande escala primeiramente pela Gestalt – atingiu proporções tão grandes e de tão grande amplitude que é difícil dizer qual termo teve uma popularidade nesse nível durante o século XX e até o início do nosso século, a não ser por palavras ou termos como design, física quântica, sustentabilidade, ecologia, flash-back ou close-up. O termo insight é utilizado em livros desde auto-ajuda para introversão como o Introvertido de Sucesso de Wendy Gelbery até artigos científicos a respeito das possíveis relações entre o zen budismo e o cristianismo de Frank Usarski em Ciência da Religião Institucionalizada.
A palavra Gestalt no dicionário inglês-inglês Collins Cobuild atrela o significado do verbete a um termo técnico em psicologia, designando como: “It is something that you see or think of that has particular qualities when you consider it as whole, wich are not apparent when you consider only the separate parts of it.”(Collins Cobuild . English Language Dictionary 1990), Traduzindo: “é alguma coisa que você vê ou pensa daquelas particulares qualidades quando se considera tal coisa como um todo e que não eram aparentes quando se considerava apenas as partes separadas daquela coisa.”
Insight, ao contrário, é uma palavra que não se refere sempre à psicologia, propriamente dita, porque embora sempre se tenha a noção de que partiu dessa área do conhecimento, ela é usada em inúmeras situações e sua definição no mesmo dicionário, é assim colocada: “If you gain insight or an insight into a complex situation or problem, you gain accurate and deep understanding of it.” (Collins Cobuild . English Language Dictionary 1990) Ou seja: “Se você ganha insight ou tem um insight em uma situação complexa, você consegue um entendimento acurado e profundo disso.“
Só esses motivos já seriam suficientes para justificar pesquisas sobre o assunto. Mas existem outras razões muito mais específicas. A adoção de uma filosofia holística como proposta educacional contemporânea – tão desejada e tão dificilmente posta em prática atualmente – é tanto uma visão de um todo interdependente e conectado, como também, a implementação de uma filosofia humanista e personalista que seja capaz de criar relações livres, conscientes e respeitáveis, segundo a Professora Maria Luiza Silveira Teles. Tal vertente só pode ser abraçada plenamente se soubermos a origem – e as implicações para o nosso tempo e tempos futuros – desta visão nas teorias da aprendizagem. Nesse sentido, a Gestaltpedagogia tem valor de grande relevância em todo o processo de ensinar o “aprender a aprender” segundo os Diálogos de Platão. Conhecer essa história e saber o que veio depois e o que ainda virá, é a um só tempo, transmitir valores transcendentais, sem tempo ou espaço e preparar o novo ser do novo tempo.
PONTOS IMPORTANTES
Entre os behavioristas as definições teoria da aprendizagem e teoria do comportamento são usadas como sinônimos, na maior parte do tempo, haja vista que se concentram na observação do comportamento real e quantificável – até onde seja possível – com relação ao comportamento.
O estudo e a análise dos processos cognitivos (ou intelectuais) como pensar, sentir, pretender, querer, ter expectativas entre outros, é o arcabouço dos psicólogos cognitivistas. Esse estudo, obviamente, envolve o fato de que o comportamento humano é influenciado por tais atividades mentais. É nessa corrente de pensamento que se insere a Gestalt.
Esta dicotomia entre behaviorismo e gestaltismo, comportamentalismo e fenomenologia, condicionamento e cognitivismo, perpassa um sem número de publicações sobre o assunto, desde sua forma mais generalizante como no livro Teorias da Aprendizagem para professores de Morris L. Bigge até suas formas mais particularizadas em pensamentos de autores de um lado e de outro como no livro Skinner X Rogers . Maneiras contrastantes de encarar a educação de Frank Milhollan e Bill E. Forisha.
Seria uma “supersimplificação vergonhosa”, segundo Guy R. Lefrançois, considerar todas as posições de teorias exclusivamente behavioristas ou cognitivistas. Porém, o mesmo autor, colocou também, que essas classificações indicam a “orientação geral de um teórico e os tipos de assunto com os quais a teoria se ocupa”.
As primeiras abordagens psicológicas, no entanto, poderiam ser chamadas de estruturalismo e funcionalismo. Wundt, o primeiro pensador em psicologia, que escrevera 500 livros em toda sua vida, tinha a introspecção como método investigador, objetivando analisar a estrutura da consciência. Os estruturalistas como Wundt, na Alemanha e Tichener, nos EUA, usavam conceitos mentalistas. No funcionalismo, William James, reconhecido como o pai da psicologia norte-americana, preocupava-se em observar o funcionamento da mente – daí a designação, funcionalismo – e não sua estrutura.
Diversos autores dividem as teorias de aprendizagem com diferentes classificações, tais como, behaviorismo, construtivismo, sócio-interacionismo, educação humanista, aprendizagem significativa e assim por diante. Para fins de entendimento e comparação da Gestaltpedagogia com outras correntes de pensamento das teorias de aprendizagem, poderíamos estabelecer uma separação baseada na “evolução” – ou no desenvolvimento, melhor seria colocado – das teorias em behaviorismo ou teorias com predominância dessa vertente, passando por teorias de transições para o cognitivismo moderno e finalizando com teorias do cognitivismo moderno.
O COGNITIVISMO ALEMÃO: A GESTALT
O sistema da Gestalt foi criado por um grupo de psicólogos alemães – Wolfgang Köhler, Kurt Koffka e Max Wertheimer – que emigraram para os EUA, realizando lá a maior parte de suas pesquisas. Segundo a Gestalt as pessoas aprendem por insight. Insight pode ser definido como um senso básico ou uma percepção de relações. É a percepção de uma situação que ultrapassa as palavras. “Os insights de uma pessoa não são a mesma coisa que sua consciência, sua capacidade ou habilidade para descrevê-las verbalmente [...]” (BIGGE, 1977, p. 214). Um insight pode ser adquirido quando alguém executa determinada ação e vê o que acontece. O foco está no ver, e não, no fazer, como queriam os behavioristas. “Ver” é um conceito amplo, considerado aqui como, compreender, captar o aspecto básico ou adquirir uma ideia. Um insight generalizado é uma compreensão ou discernimento no qual é possível aplicar a várias situações ou processos similares, mas não necessariamente idênticos, uma regra ou uma expectativa. “O conjunto de insights de uma pessoa constitui a estrutura cognitiva do seu espaço vital.” (BIGGE, 1977, p. 214). Veremos mais detidamente esse e outros conceitos relacionados mais adiante.
O slogan mais conhecido da Gestalt é: “O todo é maior do que a soma de suas partes”. O que significa que qualquer objeto, processo ou situação não pode ser compreendida completamente ou conhecida completamente pela análise de suas partes. A percepção era um grande foco da psicologia da Gestalt – daí seus estudos serem tão amplamente utilizados na percepção visual em áreas como artes visuais, design e moda, por exemplo – através de leis como as do fechamento, proximidade, simetria, continuidade e pregnância, cujas implicações são muito recorrentes e muito relevantes tanto em teorias pedagógicas – ensino e aprendizagem como veremos ainda – como em aconselhamento e terapia. A atenção à experiência particular do indivíduo é uma marca dessa teoria que analisaremos a fundo mais adiante também e que a colocou em franca oposição ao modelo behaviorista.
COGNITIVISMO MODERNO
O cognitivismo, embora talvez em preponderante maioria, hoje em dia, no campo profissional e teórico, de terapia e educação, não substituiu as antigas teorias, sendo mais esclarecida, acurada e útil, como pode parecer num primeiro momento. Prova disso, é que o behaviorismo continua sendo aplicado na psicologia e diversas outras áreas. Na verdade, muitas das teorias antigas ou precursoras das atuais – inclusive a Gestalt – sobreviveram ao crivo do tempo e continuaram a aparecer nem sempre de modo reconhecível.
CARL ROGERS
Carl Ransom Rogers foi psicólogo estadunidense e postulava que se quisermos sobreviver como humanidade, devemos tornar a facilitação de mudança e aprendizagem os objetivos educacionais. Sendo assim, o “único homem educado é o homem que aprendeu a aprender; o homem que aprendeu a adaptar-se e mudar, que percebe que nenhum conhecimento é seguro e que só o processo de buscar conhecimento dá alguma base para segurança.” (MILHOLLAN; FORISHA, 1972, p.177 e 176).
“O professor para ser um facilitador precisa despojar-se do tradicional ‘papel’, ‘máscara’ ou ‘fachada’ de ser ‘O professor’ e tornar-se uma pessoa real com seus alunos”. (MILHOLLAN; FORISHA, 1972, p.177). Facilitação pressupõe compreensão e aceitação empática, concluindo.
A teoria da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) e a terapia não-diretiva são importantes e bastante significativas contribuições – com alguns pontos de contato com a Gestalt, por exemplo – tanto para a psicologia quanto para a educação, sendo que na educação, essa contribuição é uma extensão da teoria desenvolvida pelo pesquisador como psicólogo.
PAULO FREIRE
A metodologia dialógica de Paulo Freire foi considerada “perigosamente subversiva” pelo Estado brasileiro durante os anos de chumbo, o que ocasionou o seu exílio. Mas foi justamente nesse período que o educador escreveu algumas de suas principais obras, dentre elas, a Pedagogia do Oprimido. Com uma teria de abordagem sócio cultural, o autor é responsável por dar voz e vez aos explorados e necessitados.
“Se nada ficar destas páginas, algo, pelo menos, esperamos que permaneça: nossa confiança no povo, nossa fé nos homens e na criação de um mundo em que seja menos difícil amar.” (FREIRE, 1974 apud BASÍLIO, 2015)
“Se o ethos freiriano”(GADOTTI apud BASÍLIO, 2015) não se faz presente plenamente nas escolas hoje, não é por não existirem estudos, teorias e publicações que são influenciadas pela sua obra – que são abundantes no Brasil – mas pelo grande desinteresse pela cultura e sobretudo pela educação nas classes dominantes e/ou dirigentes desde há muito tempo.
GESTALTPEDAGOGIA
Analisar a contribuição ou o significado da possível contribuição da Gestaltpedagogia para o ensino/aprendizagem implica conhecer as dimensões com as quais essa vertente da educação pôde desenvolver exploração ao longo da história e o que esse legado deixou nos dias atuais.
Para isso, me valho de citações à Gestalt em conceitos de educação e pedagogia nas várias publicações pesquisadas e em como foram aprofundadas cada citação, se é que foram aprofundadas. Mas a ausência de uma citação é significativa também, na medida em que demonstra as escolhas do autor em sua obra no que se refere ao que este considerou como relevante. Logicamente, “relevante” tem ainda outro aspecto; a saber o contexto de cada obra. Refiro-me ao planejamento metodológico em que o pesquisador incluiu o seu discurso.
Por exemplo, em Psicologia da Educação de Marcus Vinícius da Cunha, da série “o que você precisa saber sobre...” o autor visa utilizar apenas paradigmas da psicologia que foram aplicados à educação. Paradigmas como a psicanálise de Freud, o behaviorismo ou comportamentalismo de Skinner e os trabalhos de Jean Piaget. E nem sequer cita, em nenhum momento, a Gestalt. Sabemos que a Gestalt não é um paradigma, nem passa perto disso. Sua posição no rol das teorias de aprendizagem poderia figurar, talvez, como o de uma “teoria de vanguarda experimental”, deixada de lado, relativamente, parcialmente conhecida ou aprofundada em algumas ilhas de conhecimento, aqui e ali, ao longo da história. Também poderíamos dizer que a Gestalt esteve, ao longo da história, em posições ditas “alternativas” ou “contra culturais”, relacionadas à influência de Paul Goodman, anarquista estudioso que pesquisou fortemente a abordagem gestáltica, mas tal assertiva não é, de todo, generalizante. O que observamos, de um modo geral, é sua posição avançada no contexto do ensino/aprendizagem e que é pouco aprofundada, muitas vezes, nesse mesmo contexto.
Outra “ausência”, se é que podemos nos referir assim à essa questão, está num outro livro da mesma coleção: Epistemologia da Educação, no qual o autor, Luiz Henrique de A. Dutra, dá bastante relevância ao behaviorismo, sobretudo o de Skinner, o behaviorismo radical, no estudo da teoria do conhecimento. Mas não cita em nenhum momento, também, a Gestalt ou a Gestaltpedagogia; apesar de se reportar várias vezes à importância do cognitivismo e do próprio processo cognitivo para a investigação e a aprendizagem.
A Gestaltpedagogia, portanto, também não poderia ser chamada de uma “teoria complementar da epistemologia”, que auxilia ou auxiliou essa abordagem dentro da aprendizagem, por exemplo.
Mas para além de qualquer tentativa tosca de classificação ou compartimentalização da Gestalt, importa saber quais os limites e os desenvolvimentos dessa vertente e como tais presenças na educação se deram.
No cognitivismo, de um modo geral, a grande questão não é o erro-acerto nas atividades escolares, mas sim, o potencial dessas atividades para promover o progresso intelectual dos alunos. A Gestaltpedagogia adentra profundamente nesse contexto e, ainda, vai além, considerando aspectos corporais, psíquicos, estéticos e afetivo-emocionais de um modo amplo, numa percepção global. E abriu caminho nessa direção, numa conjuntura histórica onde o cognitivismo não era ainda um “paradigma estabelecido” no meio acadêmico.
O ensino gestalpedagógico foca a necessidade do professor relacionar-se com o aluno, realizando um contato intersubjetivo. Sendo que o contato é um dos conceitos mais importantes da Gestalt. O organismo, segundo Fritz Perls, possui a necessidade psicológica, tanto quanto fisiológica de contato.
Segundo Moreira, Ferreira e Costa, 2006 em “Descrição de uma vivência de ensino orientada pela gestaltpedagogia”, a percepção do aqui-e-agora, ou o princípio do aqui-e-agora da Gestalt terapia, tornar-se o aprender no aqui-e-agora para a Gestaltpedagogia; a concentração sobre o contato, torna-se o aprender na fronteira do contato na Gestaltpedagogia. Dessa forma, nesta abordagem “o aluno deve ser visto como unidade existencial de corpo-alma-mente, em que o processo ensino-aprendizagem começa no atendimento às necessidades dos alunos e não na transmissão do conteúdo.”(COSTA, FERREIRA; MOREIRA, 2006)
Como o ensino gestaltpedagógico baseia-se na vivência, nada melhor do que destacar aqui, alguns pontos, resumidamente, de uma vivência em escola proposta e relatada no artigo acima mencionado. Apesar dessas aulas terem sido ministradas com alunos de uma Escola Estadual em Goiânia (GO) e não numa universidade, como requereria o nosso curso, acredito que seja importante ressaltar que:
As fronteiras-do-corpo foram abordadas com atividades lúdicas, através de desenhos do corpo humano sem roupas onde os alunos escreviam ao lado da cabeça, dessa pessoa, no desenho, três pensamentos que essa pessoa teve, ao lado direito da boca, uma frase que ela gostaria de falar, ao lado esquerdo da boca, uma frase que ela falara e se arrependera e assim por diante, passando pelo coração, mão direita, mão esquerda, pé direito e pé esquerdo. O conhecimento do próprio corpo (consciência corporal) é de fundamental importância para o autoconhecimento e o desenvolvimento holístico de cada aluno, superando antigos tabus tradicionais que, muitas vezes, impedem esse desenvolvimento.
As fronteiras-de-valor puderam ser questionadas e dialogadas com a turma de modo saudável, através de uma atividade em que se discutia sobre drogas e doenças sexualmente transmissíveis para que “os alunos compreendessem a dimensão da auto responsabilidade em relação às consequências de seus atos, as professoras-estagiárias” – responsáveis pela aula – “enfatizaram que o ser humano é responsável por tudo o que transmite, seja por pensamentos e sentimentos, seja pelo corpo, através de doenças. (COSTA, FERREIRA; MOREIRA, 2006, Revista da Abordagem Gestáltica, v.13 n.2)
Nesse sentido, a experiência criou uma boa relação intersubjetiva e pôde desenvolver, segundo o mesmo artigo, tanto a personalidade dos alunos quanto desenvolver os aspectos pessoal e profissional das professoras-estagiárias.
Mas como se dá esse processo no ensino superior? De que modo poder-se-ia utilizar das ferramentas gestaltpedagógicas na universidade?
A resposta para essa pergunta não é simples e pode passar por entender que o desenvolvimento por inteiro das capacidades e potencialidades do aluno é o objetivo principal da Gestalt terapia ou da Gestaltpsicologia e, no campo da educação, traduz-se no fato de que “o processo de ensino e aprendizagem não começa na matéria, mas nas possibilidades e necessidades dos alunos. Em outras palavras, aquilo que se encontra no aluno é importante e ponto de partida de todas as reflexões.” (BUROW; SCHERPP, 1985 p. 123) Preponderantemente, destacamos que na Gestaltpedagogia, “não somente o aprendiz considera a situação como um todo, mas o professor deve lhe apresentar a situação como um todo.” (BUROW; SCHERPP, 1985 apud ANTONY; DUSI; NEVES; WERTHEIMER SCHULZ & SCHULZ, 1992 p. 314) Ainda de acordo com o mesmo artigo que cita Besems (BUROW; SCHERPP, 1985), a Gestaltpedagogia apresenta quatro objetivos amplos:
Desenvolver a conscientização de si mesmo e das próprias possibilidades, no que tange aos modelos de comunicação e comportamento com relação aos outros e às coisas.
Fazer surgir o discernimento a respeito do próprio funcionamento e das relações sócio-históricas desses modelos interpessoalmente e no meio social.
Possibilitar a ampliação das possibilidades de escolha de cada um em relação a si, aos outros e ao mundo.
Criar premissas que possam racionalizar o discernimento da interdependência de funções, representando ativamente o interesse.
A partir desse ponto de vista, percebemos que a vivência e a experiência têm papéis fundamentais no processo de ensino gestáltico.
Sendo assim, embora, como vimos, a Gestaltpedagogia possa ser chamada de ”teoria avançada” ou “de vanguarda” em ensino/aprendizagem e não possa ser chamada de “teoria complementar em epistemologia”; talvez possa ser designada como “coparticipante” ou “coordenadora” de uma interface com a psicopedagogia em aconselhamento.
Reportamo-nos novamente ao artigo de Antony, Dusi e Neves (2006) ao colocarem que: “Na ótica gestáltica, a maioria das crianças necessitadas de ajuda possuem alguma dificuldade em suas funções de contato e tendem a adotar algum tipo de comportamento que lhes serve de defesa, seja através da timidez, do medo, do silêncio, da agressividade, da hostilidade, da hiperatividade, dentre outros que constituem uma forma de ajustamento criativo.”
E continuando: “Pode-se verificar, dessa forma, que, na visão gestáltica, o trabalho psicopedagógico visa à ampliação da consciência, auxiliando a criança a redescobrir seu próprio ser, habilidades e potencialidades.” (ANTONY; DUSI; NEVES, 2006)
Se tais afirmativas são verdadeiras com relação aos alunos que estão na infância, também, guardadas as devidas proporções e dimensões, podemos inferir que essas assertivas possuem uma semelhança com os comportamentos dos jovens que adentram a universidade no seu curso superior e, ainda, alunos de idade um pouco mais avançada que realizam seu curso superior pela primeira vez ou aqueles que buscam uma segunda formação universitária, senão completamente, mas ao menos, em certa parte, de alguma forma.
Na verdade, agressividade, hostilidade, hiperatividade, silêncio, medo, timidez, dentre outros comportamentos são facilmente encontrados e passíveis de verificação nos universitários brasileiros, bem como desinteresse, fadiga, estafa, stress, desconcentração, retraimento e muitos outros semelhantes, ao longo da vida universitária. Segundo Tuleski e Eidt (2007) no artigo Repensando os distúrbios de aprendizagem a partir da psicologia histórico-cultural, “[...] é de fundamental importância analisarmos a qualidade das mediações estabelecidas em diferentes contextos sociais (como a família e a escola), considerando que o esfacelamento das relações entre os indivíduos se tornou uma característica da pós-modernidade, na qual se verifica o surgimento de verdadeiras epidemias de desordens de aprendizagem.[...]”(EIDT; TULESKI, 2007)
Esses problemas, muitas vezes, vêm da infância e adolescência e têm sua continuidade, de um modo ou de outro, na vida juvenil ou adulta. Para trazer a Gestaltpedagogia ao contexto do ensino superior e possibilitar soluções e alternativas para tais problemas de aprendizagem, é preciso utilizar suas premissas de modo correto. Segundo Owen E. Pittenger e C. Thomas Gooding em Teorias da Aprendizagem na prática educacional, as pessoas respondem a padrões ou situações como um todo – essa é uma premissa básica da Gestalt, já vimos – e na base gestáltica, Wertheimer, Koffka e Köhler “compilaram uma série impressionante de informações experimentais e empíricas que resultou no desenvolvimento de uma teoria da aprendizagem distinta e diferente da dos associonistas.” Daí podemos, mais uma vez, ressaltar que para a Gestaltpedagogia a aprendizagem é um processo dinâmico de organização de percepções para reduzir a ambiguidade (solucionar problemas).
A contribuição que a Gestaltpedagogia tenha a fazer no ensino superior, desse modo, só poderá ser verificada por vivências, por experiências, visto que “a essência da experiência reside na percepção. O significado das percepções repousa em sua responsabilidade para o desenvolvimento de análises de relações. A aprendizagem, quando é significativa, não é uma experiência isolada no presente, mas uma experiência presente relacionada tanto com as nossas condições prévias, como com as que antecipamos.” (PITTENGER; THOMAS, 1977, p. 93) A chave para o entendimento dessa potencial contribuição pode estar em verificar com o que a Gestaltpedagogia se aproxima – transacionismo – e com o que ela se distancia – idealismo – trazendo à baila conteúdos como esse: “o alto grau de congruência entre os transacionistas e os gestaltistas.” (PITTENGER; THOMAS, 1977, p. 119). “O ponto de vista transacional do conhecimento, com seus postulados na centralidade do aluno, identifica os motivos pessoais e internos como capazes de possibilitar uma aprendizagem significativa e permanente.” E, desse modo, “Isto está em harmonia com a posição gestáltica, de que a organização das percepções de modo relevante para o agente produz vigorosos percepções de traços.” (PITTENGER; THOMAS, 1977, p. 152) “Traços” aqui relaciona-se com o conceito de insight derivado de uma investigação pessoal de significado no mundo real, baseado numa experiência, numa vivência da própria existência. O que vai contra frontalmente o idealismo, por exemplo, que não aceita o que o gestaltista exige. (PITTENGER; THOMAS, 1977, p. 151)
E continuando, com relação aos pontos de contato com os transacionistas: “Uma fonte adicional de concordância é encontrada na ideia compartilhada de que, para estes sistemas, a percepção de relações entre as partes e o todo, meios e fins, facilita as percepções úteis, válidas e persistentes.” (PITTENGER; THOMAS, 1977, p. 152)
A noção dos idealistas de que tudo que existe, “já está lá” no mundo das ideias, para ser usado ou contemplado, não é aceita pelos gestaltistas. Para estes, a facilitação do desenvolvimento de insights e as novas maneiras de solucionar problemas únicos são questões centrais. Se for assim, se o professor deve levar em conta o conhecimento prévio dos alunos, a sua forma de ensinar, deve ser permeado pelo aprender a aprender. A fundamentação teórica desse professor – ou facilitador – terá que abarcar uma série de “experiências de vida, independentemente dos conhecimentos oriundos das ciências” (CUNHA, 2002, p. 106) para que possa construir o conhecimento em conjunto com o educando, num eterno devir que se alonga e se contrai, mas que nunca para, está sempre em movimento.
Nesse sentido, a Gestaltpedagogia concentra-se no “cultivo da reflexão, do pensamento autônomo, na imaginação criadora, na solução original” (TELES, 2003, p. 37 e 38), postulados requeridos numa nova concepção planetária que exige uma educação holística e não-diretiva, numa cosmovisão que abarque a diversidade multicultural do homem contemporâneo.
UTILIZAÇÃO TEÓRICA DA GESTALTPEDAGOGIA EM VÁRIAS PUBLICAÇÕES
Mapear a presença da Gestalt voltada para o ensino/aprendizagem é tarefa complexa porque, muitas vezes, tal utilização dessa vertente não é explícita na educação, mas ocorre de modo transversal, a partir de citações não muito recorrentes.
Segundo Olaf, Burow, e Scherpp,1985 em Gestaltpedagogia um caminho para a educação, o ser humano tem duplo papel – de determinante e de determinado, o que é uma ponte de contato, de acordo com os mesmos autores, com o trabalho de Paulo Freire, em que “Freire trilhou, antes do golpe militar, caminhos semelhantes aos da Gestaltpedagogia”. O princípio dialógico, conceito de Paulo Freire, equivale ao conceito de relação interpessoal, mais particularmente a relação inter-subjetiva, como elaborada por Thijs Besems. Nesse âmbito, a auto-responsabilidade “significa que temos, nós próprios, a escolha de fazer isto ou aquilo, de ser de determinada maneira ou de outra.” (BUROW; SCHERPP, 1985, p. 61) O que não quer dizer que se possa passar por cima da realidade social, o que apenas alguns poucos, totalmente independentes financeiramente possam fazer, mas sim, “perceber de modo realista e com consciência no aqui-e-agora, as próprias condições de vida e a partir daí avaliar realisticamente o próprio espaço de ação que, na verdade, muitas vezes é maior do que se pensa.” (BUROW; SCHERPP, 1985, p. 61)
Porém, para que isso ocorra, faz-se necessário pensar a aprendizagem/ensino de maneira ampla, tanto dentro quanto fora da Universidade. Partindo desse princípio, que permeia a cultura, as artes, a espiritualidade, bem como a participação do educando como cidadão no seu país e no mundo como sujeito pensante e atuante, trazemos três exemplos da presença do termo Gestalt em livros preponderantemente culturais, artísticos e relativos à espiritualidade, pontuando sua importância nessas áreas correlacionadas à educação:
1 . Capítulo Configuração do livro Arte e Percepção Visual – uma psicologia da visão criadora de Rudolf Arnheim - Ao abordar o tema da apreensão de formas pela visão, ou “o sentido normal da visão”, apreende um padrão global, ao atentar para a afirmação dos psicólogos da Gestalt que descrevem a lei básica da percepção visual desse modo: “qualquer padrão de estímulo tende a ser visto de tal modo que a estrutura resultante é tão simples quanto as condições dadas permitem.” (ARNHEIM, 1994, p. 47) Outras passagens do mesmo livro, atentam para “a lei da prägnanz”. O autor coloca como tendências prévias a essa, a tendência “a reduzir o número de características estruturais e consequentemente a simplificar o padrão” (ARNHEIM, 1994, p. 58 e 59) . O nivelamento e o aguçamento da percepção visual são, por conseguinte, aplicações de uma “tendência superordenada, a saber, a de tornar a estrutura perceptiva mais nítida possível: a prägnanz.” (ARNHEIM, 1994, p. 58 e 59) O autor também evoca o princípio da simplicidade, uma linha de conduta básica da psicologia gestaltiana, na qual afirma-se que, “para o sentido da visão, qualquer padrão visual tenderá para a configuração mais simples, em dadas condições.” (ARNHEIM, 1994, p. 403)
2 Catálogo de exposição de arte: Diálogo Concreto design e construtivismo no Brasil. Destaca o trabalho de vários artistas gráficos, artistas plásticos e designers gráficos entre 1950 e 1960, dentre eles, Alexandre Wollner, cartazista que se utilizava de sugestão de movimento por meio de repetição seriada de formas e criação de efeitos óticos baseados na Gestalt. Outro artista que se utilizou e buscou inspiração para seus trabalhos em conceitos de Gestalt e semiótica foi Waldemar Cordeiro que realizou o projeto arquitetônico e paisagístico para o playground do Clube Espéria em São Paulo em 1966, permitindo uma apropriação lúdica da geometria no design, com fusão entre arte e vida, para além dos limites do museu. O neoconcretismo com Lygia Pape, tanto na comunicação visual – embalagem dos biscoitos Piraquê – quanto nas artes plásticas, dança e artes cênicas – Balé neoconcreto – bem como muitos outros artistas, beberam na fonte da abordagem da percepção visual como entendida pela Gestalt, de um modo ou de outro.
3 Livro Tarô, Ocultismo & Modernidade, no qual o autor Nei Naiff discorre sobre a simbologia que envolve o tarô de um modo amplo e, com todas as ressalvas possíveis e imaginárias, tece comentários sobre esoterismo, exoterismo, psicologia e linguística, dizendo:
“Tanto para os conceituados fundadores da psicanálise que deram origem à moderna psicologia, tais como Sigmund Freud, Jacques Lacan, Alfred Adler, Wilhel Reich, Hany Stack Sullivan, Erich m, e até os mais recentes processos do gestaltismo, a bioenergética de Alexander Lowen e Stanley Keleman ou da sutil biodança, incluindo também a transcendente linguagem junguiana percorrendo os campos da ciência, todos observam, invariavelmente, a estrutura simbólica, a imagem de um símbolo, sua utilização, seja em que nível for, como uma doença, uma cura ou o equilíbrio do indivíduo, jamais sob a ótica das ciências ocultas ou da espiritualidade!”(NAIFF, 2002, p. 72)(Grifo nosso)
Contextualizar a simbologia pela qual o professor se utiliza na sala de aula dentro das áreas de psicologia, psicanálise e psiquiatria e diferenciar fortemente o aspecto acadêmico dessas disciplinas e campos do conhecimento da erudição esotérica ou exotérica ou da própria teologia ou esoterologia, que é conhecimento esotérico levado à Academia – não tão conhecido – é tarefa complexa e deve permear uma atividade de ensino superior relativa ou correlacionada a tais assuntos. Mais do que isso, deve proporcionar asas à imaginação criadora e ao questionamento relevante no cotidiano e na vida fora da Universidade como significação e transcendentalismo espiritual e/ou religioso.
Voltando às citações da Gestalt especificamente em educação, bem como análise do aprofundamento desse viés nas publicações, podemos começar com Fundamentos da educação história e filosofia da educação de Gilberto Cotrim e Mário Parisi, no qual o início da parte relativa à Gestalt é bastante sugestiva: “Aprender é ter insights” (COTRIM; PARISI, 1983, p. 310). O insight é o momento “em que o indivíduo compreende as relações existentes entre todos os fatores de uma situação, estabelecendo entre eles um vínculo solucionador.” (COTRIM; PARISI, 1983, p. 310) Sendo uma conquista de quem aprende, não pode ser transferido de uma pessoa para outra, como num passe de mágica. Antes, é uma sensação de cada um que, alcança a solução de um determinado problema.
Ainda de acordo com o livro, quando alguém observa uma cor vermelha pintada num quadro, não percebe essa cor isolada, mas em relação às outras cores vizinhas que compõem a peça de arte. Daí decorre que não percebemos fatos isolados, mas num todo global, numa percepção do campo-problema.
Na mesma publicação temos uma explanação a respeito dos trabalhos de Carl Rogers, com o seguinte título: “A ciência do comportamento deve libertar e não controlar.” (COTRIM; PARISI, 1983, p. 319) A atividade psicoterapêutica foi, sem dúvida, a principal ocupação de Rogers, porém o autor tinha interesses diversos, incluindo agronomia e teologia, por exemplo. Em “Tornar-se Pessoa”, o pesquisador advertiu que as ciências do comportamento ampliaram as possibilidades de previsão e controle da conduta humana de modo pernicioso e antiético, muitas vezes. Mensagens subliminares, com imagens expostas muito velozmente, estimulações por choques elétricos para obtenção de um determinado comportamento e opiniões emitidas com base em consenso que é verificado como errado pelos próprios sentidos, mas confirmado, mesmo assim, apenas porque é uma opinião que vai de acordo com o senso de outras pessoas, são algumas das experiências verificadas nesse sentido.
Na educação o autor foi bastante revolucionário, propondo sérias mudanças no sistema educacional vigente. “A educação deverá assumir a natureza dinâmica da nossa sociedade[...]” ”[...]e deverá ser centrada no aluno.” (COTRIM; PARISI, 1983, p. 323) Reflexões do autor sobre o assunto foram muito revolucionárias, como já disse, cujas consequências, segundo suas próprias palavras são nesse tom:
“[...] se deveria renunciar ao ensino.[...]”
“Deveríamos renunciar aos exames.[...]”
“Deveríamos acabar com graus e avaliações como títulos de competência.[...]”
“[...]abolir a exposição de conclusões.[...]” (COTRIM; PARISI, 1983, p. 324)
O livro é um bom iniciador das propostas educacionais, gestálticas e do cognitivismo de Carl Rogers para fim de estudo prévio à Universidade. É constituído de uma base sólida e, embora não relativa propriamente ao ensino superior, o seu conteúdo demonstra que o grau de conhecimento e avaliação da Gestaltpedagogia e dos vários caminhos posteriores do ensino/aprendizagem foram bastante explorados em muitos sentidos com profundidade. Porém a ausência de apontamentos ou mesmo citação a Paulo Freire é sintomático da sua alta carga de comprometimento com as demandas MEC/USAID e à própria herança da agenda do governo militar nos anos de 1980.
Retrocedendo um pouco mais no tempo, importante contribuição da Gestaltpedagogia se pode verificar a partir da publicação do livro Teorias da Aprendizagem para professores da E.P.U. (EDUSP) de Morris L. Bigge em 1977, tradução de José Augusto da Silva Pontes Neto e Marcos Antônio Rolfini. Afirmo isso porque a psicologia educacional é inteiramente destrinchada e analisada ampla e profundamente pelo autor que, ao estabelecer as duas maiores escolas de teoria da aprendizagem – na contemporaneidade da época – enfocam as teorias de condicionamento behavioristas estímulo-resposta e as teorias do campo-Gestalt. Adentrando pelas explanações do livro, temos que as teorias de campo-Gestalt e as teorias cognitivas, ou ditas cognitivas, estavam de tal forma correlacionadas, no período histórico em questão, que praticamente uma era designada como a outra, alternadamente, em diversas passagens.
Apontando autores teóricos que, na época, eram os líderes identificados com a escola da teoria campo-Gestalt, como R. G. Barker, E. E. Bayles, A. W. Combs e H. F. Wright, o autor vai nomeando os diversos títulos que a Gestalt foi incorporando como suas, ao longo do tempo: “psicologia organísmica, de campo, fenomenológica e psicologia do campo cognitivo.”(BIGGE, 1977)
A noção de que os insights possibilitam a aprendizagem e que esta é “um processo de desenvolvimento de ‘insights’ novos e de modificação dos velhos”, é reafirmada. É vista também como “um empreendimento útil, imaginativo e criativo.”(BIGGE, 1977), rompendo completamente com a ideia de que a aprendizagem se dá conforme certos princípios de associação – ligação de uma coisa e outra – ou na construção de comportamentos mecanicistas ou deterministas.
A teoria da aprendizagem no campo cognitivo “descreve como uma pessoa chega à compreensão de si mesma e do seu mundo em uma situação em que seu self e seu meio compõem uma totalidade de eventos, coexistentes em mútua interdependência.” (BIGGE, 1977, p. 206). “Fatores de um meio psicológico adquirem significado quando uma pessoa formula seus objetivos e desenvolve insights de maneira a alcançá-los.” (BIGGE, 1977, p. 206 ) Um conceito básico na teoria do campo cognitivo é o conceito de espaço vital. “Espaço vital é um modelo da realidade psicológica ou das relações funcionais desenvolvidas com a finalidade de descrever o que é possível e o que é impossível para a pessoa em estudo, de antecipar ou predizer o que ela provavelmente está pensando ou fazendo agora, bem como de que tipo serão seus pensamentos e ações subsequentes.” (BIGGE, 1977, p. 226).
A aprendizagem, desse modo, é “um processo dinâmico pelo qual, através de experiências interativas, os insights ou as estruturas cognitivas de espaços vitais são modificados para se tornarem mais úteis para a orientação futura.” “Insights ou estrutura cognitiva são respostas às questões seguintes: como alguma coisa é construída, com que se relaciona, a que se refere, como alguém a realiza, para que serve e o que se deveria fazer.” (BIGGE, 1977, p. 235).
No final do livro, páginas 309 e 310, há uma análise da relação entre a aprendizagem e o ensino. Descrevendo três atitudes que um professor pode adotar em relação ao papel de preservar e desenvolver a cultura; o professor pode se ver como:
1 . Um arquiteto cultural – Inovação e trilhas em atitudes, valores e conhecimentos de uma cultura ideal serão radicalmente propagandeado ou doutrinado por esse professor que deseja introduzir um novo modelo de cultura. Esse ponto de vista tem sido chamado de “reconstrucionismo social”.
2 . Um conservador da cultura – Procura doutrinar seus alunos e faz propaganda das atitudes, valores, crenças e conhecimentos tradicionais. O autor, nessa passagem do livro reconhece que, a decadência do sistema de valores coesos e relativamente consistentes não permite mais a transmissão de uma estrutura harmoniosa de atitudes, valores e crenças.
3 . Um líder democrático – Desenvolver insights pertinentes ao desenvolvimento cultural seria a primeira premissa dessa posição. O professor, nesse ponto de vista, considera-se como um cientista-chefe num laboratório, colocando “a descoberto contradições e conflitos existentes na cultura.” E determinando “maneiras possíveis de resolvê-los”. (BIGGE, 1977, p. 310). Para o professor que atua com esse pensamento, a natureza humana abarca um processo de crescimento natural que não é nem estático nem inerte e nem revolucionário e nem transformador, mas que corrobora para um crescimento em direção a uma vida mais harmoniosa e adequada para todos os indivíduos.
Também com relação ao tipo de relação entre um professor e seus alunos, pode existir:
1 . Autoritária – “Um professor autoritário exerce controle firme e centralizado”. Essa seria a “educação bancária” tão denunciada por Paulo Freire, já que nessa relação o professor é o único agente ativo; os alunos sendo recebedores passivos da instrução e da informação, sendo que o professor dita o que se faz e o que se pensa na sala de aula.
2 . Laissez-faire – Um extremo do liberalismo, o professor dessa relação não lidera o grupo, praticamente. “Está presente e pode responder perguntas, mas essencialmente deixa que os alunos tomem a iniciativa. Os alunos decidem o que desejam fazer e como.” (BIGGE, 1977, p. 311)
3 . Democrático – “Seu principal objetivo é conduzir os alunos ao estudo de problemas significativos na sua disciplina ou área.” (BIGGE, 1977, p. 312) O estudo conduzido, desse modo, precisa de insights e intercâmbio e respeito pelas ideias dos outros. Tanto o professor quanto os alunos aprendem juntos. A intencionalidade na experiência e no comportamento humanos serão enfocados nessa abordagem de aprendizagem.
Seria desnecessário dizer que o autor é francamente a favor do método democrático, com o qual, nós também nos identificamos nessa pesquisa. Em ambas as posições, é notório que a aprendizagem só pode se dar de um modo completo, integrado e holístico, atendendo aos anseios de construção de um “verdadeiro indivíduo – aquele que pensa e age segundo a razão, podendo, então, viver livre como ser inteligente (sujeito epistemológico), como pessoa (sujeito moral) e como cidadão (sujeito político) (GHIRALDELLI JR., 2000, p. 16) num ambiente democrático e de respeito à diversidade de opiniões, sonhos, atitudes e ações.
Dando um salto enorme no tempo – 2016 – recorremos ao livro Teorias da Aprendizagem . O que o professor disse . tradução da 6ª. Edição norte-americana de Guy R. Lefrançois . CENGAGE Learning, para verificar que o autor reserva um lugar bem menos decisivo à Gestalt e a sua contribuição no ensino/aprendizagem atualmente. Menos importante, também, mas não menos precursor de mudanças, se considerarmos que “insight é o fundamento da psicologia da Gestalt” (LEFRANÇOIS, 2016, p. 200) e que, ainda hoje, usamos o termo quando precisamos de um “pensamento relacional”, um tipo de pensamento que, nada tendo de sobrenatural ou especial, “aplica-se a compreensão de fatos comuns e soluções gerais de problemas do cotidiano” (LEFRANÇOIS, 2016, p. 200), a partir de reorganizações dos elementos de um determinado problema.
Para finalizar, é possível perceber que a ausência de apontamentos ou mesmo meras citações ao trabalho de Carl Rogers no todo do livro, nos alerta que tal publicação pode ser muito ampla e integrada, mas não é completa. Deixar de fora das possibilidades em teorias da aprendizagem um autor que fora indicado a um Prêmio Nobel da Paz em 1987, não é apenas contraproducente, é temerário. Mesmo considerando que as principais contribuições de Carl Rogers estivessem na psicoterapia – e não na educação, o que não é tão verdade – não haveria motivos para esse “esquecimento”, haja vista que muitos outros autores contemplados com espaços grandes no livro, também não tiveram uma contribuição direta à educação. Esse “banimento” de Carl Rogers só pode se dever a pretensões de ordem política e de tomada ou perpetuação de poder por elites hierarquizadas que não desejam que ocorra uma real transformação na educação como um todo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensar a Gestaltpedagogia hoje é considerar e elevar à categoria de referência a “[...] pluralidade cultural como fonte e transformação do nosso conhecimento, e de apontar a necessidade de respeitar a multiplicidade das formas culturais como condição para nossa convivência social [...]”. (MACHADO, 2002, Orelha do livro) para criar condições à prática dos quatro pilares da Educação na sala de aula, conforme coloca Celso Antunes em seu livro de mesmo titulo:
“. Aprender a conhecer.
. Aprender a fazer.
. Aprender a viver com os outros.
. Aprender a ser.” (ANTUNES, 2013, p. 15) (Listagem e grifo nosso)
Lembrando Paulo Freire, limitar o universo educacional a reproduzir uma sociedade de “oprimidos e opressores” é se distanciar grandemente da meta de facilitar a “participação prática nos processos de educação e aprendizagem, fazendo crescer a probabilidade da aprendizagem significativa (Carl Rogers) da auto-iniciativa e da reflexão crítica” (BRITTO, 1989, p. 110) tão próprias ao conceito de compreensão empática ou empatia (Carl Rogers), consistindo numa “percepção correta do ponto de referência de outra pessoa com as nuances subjetivas e os valores pessoais que lhe são inerentes.” (BRITTO, 1989, p. 109)
A Gestaltpedagogia identifica resoluções para problemas no estudo de estruturas cognitivas subjacentes, graças ao insight a fim de alcançar “[...]A preservação da inteireza do humano e a construção de uma ética que permita que a vida do homem possa persistir na Terra, em toda a sua beleza e esplendor.” (TELES, 2003, p. 73) Isso é possível e é necessário, mas será realizado e efetivo, justamente na medida em que dermos ênfase ao processo de “descoberta e de compreensão ativa por parte de quem aprende.” ( PERINI, 2003, p. 25)
No ensino superior a Gestalt teve grande influência, no assim chamado Desenho Industrial (hoje, comunicação visual – design), principalmente no que diz respeito aos estudos de percepção visual. Quando consideramos, de acordo com Guillaume (ARBIGAUS, WACHOWICZ, 2003 apud GUILLAUME, 1960, p. 1) que a Teoria da Forma (Gestalt) é não só uma psicologia, mas também uma filosofia, podemos facilmente captar o sentido de estrutura cognitiva que provoca um efeito emocional no usuário de um produto industrial, a partir da sua configuração, conforme Lobach (ARBIGAUS; WACHOWICZ, 2003 apud LOBACH, 2000, p. 34). O designer gráfico, portanto, deve saber que a primeira sensação na percepção de uma forma, já é de forma, já é global e unificada. A Gestalt, de uma imagem, desse modo, permite que ele seja perceptível, comunicável, instantaneamente (ARBIGAUS; WACHOWICZ, 2003 apud REDIG, 1977, p. 20). Nesse sentido, ainda, a fruição da imagem no ensino de artes visuais se beneficia muito dos estudos gestálticos quando leva em conta o potencial de percepção/insight e a leitura subjetiva de determinada imagem. Também o processo criativo do estudante de artes visuais que embora seja na maior parte do tempo intuitivo e quase que inerente à sua pessoa, fruto de anos de estudo, é muito utilizado por professores aplicando fundamentos psicológicos e filosóficos da Gestalt.
Logicamente, o ensino de psicologia e de terapias correlatas acadêmicos possui um sem número de dissertações de mestrado e teses de doutorado com base de referência na Gestalt-terapia e, inclusive, com “significativo direcionamento para o debate epistemológico, com trabalhos que abordam as relações do pensamento gestaltista com diversas filosofias, bem como uma reflexão em torno de seus fundamentos” (HOLANDA, 2008).
Finalizando, é possível afirmar que uma imensa diversificação do campo, para além das psicoterapias ou estudos de percepção visual em design e artes, pode ser descortinada a partir da Gestaltpedagogia no âmbito acadêmico e trazer inúmeros caminhos de ensino/aprendizagem para realização do ser humano de forma plena, integral e holística.
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