O TESOURO DA VILA
Existiu, há muito tempo, num país distante, um homem pobre e modesto que se chamava Zacarias. Homem inteligente e trabalhador, que, por suas boas qualidades e amor no coração, era muito querido na vila em que morava. Ele passava o dia inteiro, de manhã à noite, plantando, colhendo e preparando a terra para futuras plantações. Embora muito pobre e analfabeto, Zacarias acalentava o sonho de ser rico. Sonhava com tesouros iguais aos do prefeito da vila. Como conquistar, porém, essa tão ambicionada riqueza? - pensava o pobre homem, arando a sua terrinha. Como se faz para descobrir um tesouro? Será que era preciso viajar por mares e lugares desconhecidos?
Ele ouvira histórias de homens que descobriram cavernas apinhadinhas de ouro, prata, pérolas e brilhantes. Não poderia ele, à semelhança desses aventureiros felizes, descobrir um tesouro fabuloso e tornar-se, assim, de um momento para o outro, o homem mais rico daquelas terras? Ah! Como seria maravilhoso! Aí ele não precisaria ficar, sob sol e chuva, arando a terra, plantando e colhendo. Ele teria muitos empregados para fazer tal serviço.
Assim meditava o bondoso Zacarias. Em pensamento se via numa caverna, igual a do Ali Babá, contando o tesouro que guardava ali. Estava tão distante, viajando pelas estradas da imaginação, quando foi despertado por um chamado.
- Senhor!
Levou um susto
- Que queres? – perguntou Zacarias ao estranho.
- Bem, é que eu vendo livros... – respondeu timidamente o estranho.
- Para mim não adianta. Eu não sei ler. – disse Zacarias.
- Mesmo assim, o senhor não gostaria de ficar com um livro? – insistiu o estranho.
- Já lhe disse que não sei ler...
- Que pena! Eu vim de longe... – lamentou o vendedor.
Como era bondoso, incapaz de magoar as pessoas, Zacarias pediu ao homem que lhe mostrasse um dos livros que trazia. Por mera curiosidade, começou a folhear o livro e foi ficando encantado com o que via. As figuras eram lindas, coloridas. Começou a perguntar ao vendedor o que diziam as letras. O vendedor, calmamente, ia explicando cada linha do texto. Já era noite quando o vendedor disse que precisava partir. Começou a recolher os livros colocando-os na sacola de couro que trazia. O homem partiu e Zacarias ficou pensando que se soubesse ler ele teria comprado aquele livro maravilhoso. Zacarias, depois de jantar, conversando com sua mulher, disse:
- Sabe que eu nem perguntei o nome do vendedor de livros!
- Se você não sabe ler, marido, por que comprar um livro!?
- Ora, mas não custava nada perguntar o nome dele... – respondeu.
No dia seguinte, antes do sol nascer, Zacarias já estava a caminho de sua plantação. Em casa a mulher cuidava dos afazeres domésticos. Estava varrendo a sala quando viu, sobre uma das cadeiras, um livro.
- Chi! O homem esqueceu um dos seus livros. E agora? Zacarias não sabe nem o nome dele. Vai ser difícil devolver.
À tardinha, quando Zacarias voltou do seu trabalho, a mulher lhe mostrou o livro. Embora pensasse em devolvê-lo, ficou feliz por o vendedor tê-lo esquecido. Era uma preciosidade aquele livro, afirmava ele, passando as mãos ásperas na capa aveludada do livro.
Depois do jantar, Zacarias sentou-se num dos bancos da varanda de sua casa e, abrindo o livro, começou a pensar que se soubesse ler agora estaria entendendo todos aqueles caracteres, saberia da história de cada figura, de cada cena representada nas folhas do livro. Entretido neste pensamento, pareceu-lhe ter ouvido uma voz vinda daquele livro de capa aveludada. Era uma vozinha, como se fosse de criança.
- Procure a mestra.
- É isso mesmo! – exclamou Zacarias – amanhã eu vou procurar a mestra. Vou aprender a ler e escrever. Vou deixar de pensar em tesouros e outras bobagens.
E ele foi. A mestra o recebeu com carinho e Zacarias passou a ter aulas de alfabetização. A mulher de Zacarias achava que era uma tremenda bobagem, mas se ele queria, fazer o quê?
E Zacarias, num glorioso dia, e para a surpresa de todos, leu uma página daquele livro maravilhoso, daquele livro que lhe ensinava tantas coisas, desvendava mistérios e o levava a lugares que ele nem imaginava que existiam. É isso, Zacarias! O livro é uma nave espacial, é um tesouro de valor incalculável.
Zacarias, a partir daquele dia, tornou-se conhecido na vila. Já não era mais analfabeto. Habilidoso como era, construiu um nicho para guardar o livro que considerava seu santo inspirador. Agora lutava contra as injustiças, queria que todos possuíssem aquele tesouro. Enfrentou as autoridades solicitando educação e trabalho para o povo. Ele dizia:
- Quem não saber ler nem escrever, não pode reivindicar nada, não tem direitos, sofre manipulação dos desonestos. Ser analfabeto é ser deficiente visual sem ser cego.
- É um grande homem esse Zacarias! – declarava o povo – Vamos elegê-lo nosso prefeito.
E assim foi feito. Zacarias foi um prefeito honesto, lutador sempre visando o bem da população. Erradicou o analfabetismo da vila. Quando alguém lhe perguntava o porquê de tanto empenho, ele respondia.
- Eu recebi um tesouro, devo partilhar com o meu povo...
E continuou com sua luta enquanto viveu.
Quando morreu, já bem velhinho, o povo daquela rica vila, outrora tão pobre, escreveu na sua tumba:
“Aqui jaz o homem que encontrou um valiosíssimo tesouro e o repartiu, durante toda a sua vida, com o povo desta vila.”
Qualquer pessoa, esforçada e inteligente pode conseguir um tesouro igual ao de Zacarias. Estudo e dedicação ao trabalho abrem qualquer caverna de Ali Babá para aqueles que se dedicam.
Maria Hilda de J. Alão