MAIS UM AMIGO QUE SE VAI ...
A morte do jornalista Mário Pitanga
– polêmico e insubstituível
Ele era polêmico - e gostava disso. Fazia questão de manter essa aura de polêmica ao seu redor, cutucando os poderosos em suas manchetes de jornal ou cara a cara, falando na lata o que pensava. Sei que muitos o odiavam. Tem gente que desperta esse tipo de sentimento nos outros, só por agir conforme sua própria cabeça.
Mas para mim, o que importa, é que Mário Pitanga - jornalista, gaúcho de Bagé, que completaria 80 anos em 20 de março, conhecido por sua verve política nos jornais O ALERTA e REAÇÃO, que circularam em Itaboraí, Tanguá e cidades vizinhas - esse cara polêmico que muita gente odiava, era meu amigo. Ele partiu desse mundo em 27 de fevereiro – mais um amigo que se vai, nesse turbilhão que é a vida da gente.
Mário Pitanga não era só amigo, era tipo um mestre - trabalhei com ele por mais de 20 anos, desde que ele gostou do texto daquele estagiário que trabalhava na TRIBUNA de Niterói e morava em Itaboraí, em 1989. Eu sempre gostei de ouvir histórias sobre a "velha imprensa", da ÚLTIMA HORA de Samuel Wainer, do CRUZEIRO, dos tempos dos copydesks e repórteres com coragem. Mário Pitanga tinha muitas dessas histórias pra contar.
Acho que fui a pessoa que colaborou com seus jornais por mais tempo. Fiz a diagramação, editoração e fui colunista de O ALERTA por quase duas décadas, e do REAÇÃO em seu breve período de retorno, com 10 edições e a 11ª pronta, mas engavetada. Nos últimos anos, quando a saúde de Mário Pitanga - fumante inveterado - já era ruim, inclusive com problemas de vista, ele me passava os textos na conversa, no papo, e eu dava aquela forma legal, que ele tanto gostava.
Ele era meu amigo, amigo da minha mulher, um cara que vinha aqui em casa pra trazer um panetone pro Natal - e fez isso no final do ano passado, quando sua saúde mal permitia descer as escadas. Eu o conheci quando ele, quase sexagenário, era forte como um touro, e sofria ao vê-lo tão doente e cansado. Sei que agora ele repousou, e isso é um consolo.
Agora que ele se foi, como praticamente toda a sua geração de jornalistas - malditos, polêmicos, sem medo - fica a sensação de que devo contar as histórias de Mário Pitanga para os mais jovens, como ele me contava o que ouviu de seus mestres. A gente sempre aumenta um pouco, romanceia as histórias - porque às vezes a realidade não tem tanta graça quanto a invenção.
E não é o caso de escrever um obituário pomposo do tipo “ele morreu, portanto não tem mais defeitos”, porque em Mário Pitanga, os defeitos eram grande parte de sua graça, eram a autenticidade que incomodava. Entrava nos gabinetes dos políticos sem ser convidado, cantava todas as secretárias e até as mulheres feias, reclamava de cada vírgula ou acento fora do lugar ou ligava vinte vezes por hora pra saber porque eu estava atrasado com a arte do jornal (e eu estava sempre atrasado) – sem isso, como definir Mário Pitanga?
Por isso, quando a droga do meu tempo acabar por aqui, quando a viagem pra mim também tiver chegado ao fim, eu ficaria feliz em encontrar Mário Pitanga na estação de chegada pra eu poder dizer – “tá precisando de um colunista aí, meu amigo?” – até porque, onde quer que ele esteja, Mário vai estar fazendo jornal “sem estar preso a nada, nem a ninguém”, como ele sempre dizia.
Todo fim de ano, em seus jornais, Mário Pitanga publicava uma mensagem que, apesar de não saber se era de sua autoria, resumia bem o que pensava esta figura ímpar – não vão fazer outro como ele, certamente:
“... e por isso sou solidário com todos os que não se conformam, com todos os que não se ajeitam, com todos os que não se submetem. Ainda que não os aceite, entendo-os. Ainda que não os entenda, amo-os. Pois são a prova de que a vida, afinal, consiste no esforço que se precisa fazer para entendê-la. Prefiro ser surpreendido pela traição do que ficar sempre a espera dela. Prefiro a injustiça que me façam, a me lamuriar por causa dela.”
O resto, como diria Shakespeare, é silêncio.
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