A LIRA DOS VINTE ANOS
Porque escrever poesia é a minha
melhor maneira de falar
Tomo emprestado o título de um célebre livro de Álvares de Azevedo para falar não sobre os vinte anos de idade – a juventude e suas particularidades – mas sobre os meus vinte anos de poesia. É uma coisa engraçada, mas guardo exatamente o dia em que comecei a escrever poesia: 05 de abril de 1985. Meu primeiro poema, um soneto, está datado, na velha folha de caderno em que ficou, talvez para que eu nunca me esquecesse daquele dia.
Eu já havia tentado escrever alguma (pouca) coisa em versos desde os meus 13 anos, mas era algo tão ruim (e minha autocrítica era, simplesmente, terrível) que nada sobreviveu. Até aquela época, eu desenhava constantemente e achava que esta seria a minha forma de expressão. Só que a adolescência sempre reserva surpresas. Alguns mestres vieram e me mostraram aquele novo caminho.
Não conheci qualquer um deles pessoalmente, mas sei que entrei em contato com a sua essência. Com pouco dinheiro no bolso, mas com aquela sede de conhecimento que me move, eu perambulava por livrarias e lojas de discos. Nos sebos, comecei a comprar edições antigas (para não dizer velhas) de alguns poetas. Outros vieram com os livros de bolso, na época bem baratos, da Ediouro. Os brasileiros, de várias épocas, chegaram primeiro: Bilac, Bandeira, Augusto dos Anjos, Castro Alves, Cruz e Souza, Gregório de Mattos, Drummond, Vinícius ...
Aqueles livros, que reuniam “o melhor de...” ou “poesias completas de...”, abriram meus horizontes como leitor e plantaram a semente do escritor que, desde então, venho lutando para me tornar. Com eles aprendi coisas “fora de moda”, mas úteis para quem quer escrever poesia sabendo o que faz, como rima, métrica e formas clássicas – o soneto, por exemplo. Principalmente, entendi que é possível levar o nosso mundo (íntimo ou externo) aos outros, para nos fazer ouvir.
Sinto que, como capricorniano que sou – um pouco lento, é verdade – ruminei aquelas informações por algum tempo, talvez meses, até que naquele dia 5 de abril fui compelido a escrever. A escolha do soneto, por estranho que pareça, foi natural – era o que eu mais gostava de ler. Durante seis meses escrevi quase duzentos sonetos, e uma quantidade muito menor de outros poemas.
A maioria desses primeiros versos hiberna hoje em uma pasta, pois grande parte é realmente irregular e fruto da necessidade (quase física) de escrever. Mas muitos deles venceram minha autocrítica (ainda terrível) e se mantêm vivos, reunidos em livros que nunca publiquei, pois nunca sobrou dinheiro ...
Nos três anos seguintes, produzi muito, e a poesia ganhou a cara que tem hoje. Disse-me um amigo que foi aí que meus versos ganharam “personalidade”, ou seja, ficaram com a minha cara. Eu escrevia em qualquer lugar, a qualquer hora, causando até algumas situações insólitas. Nessa época, quando terminei o segundo grau e entrei para a faculdade de jornalismo, tomei contato mais direto com outros poetas que pouco lera até então.
Fernando Pessoa e Florbela Espanca – para mim, parte da trindade portuguesa com Camões – Baudelaire, Shakespeare, Byron, Shelley, Dante, Neruda, tantos que não poderia citá-los todos. Brasileiros como Jorge Lima, e sua fantástica “Invenção de Orfeu”, e os poetas da “Geração do Mimeógrafo” dos anos 70, como Leminski, Ana C., Chacal e Cacaso – que desbundaram minha poesia, deixando-a mais sucinta, às vezes como um ideograma. Ah! É claro que há influências diretas, pessoais. Os amigos poetas com que convivi, em diferentes épocas da vida, muitos que não vejo há vários anos.
Deste caldeirão de influências, que sempre faço questão de citar por absoluta reverência, nasceu esse poeta que hoje completa vinte anos de versos, mas havia outro ingrediente na mistura que precisa ser citado: a minha experiência pessoal. Todo poeta, por mais influências que receba, traz em si um DNA único, intransferível, que faz de sua poesia (independente do que se possa chamar “qualidade”) a “sua poesia”.
Com os blogs que pari neste ano, posso compartilhar meus versos e esta história com velhos e novos amigos. A todos vocês, que lêem o que escrevo, meu agradecimento. Quem sabe isso me leve a mais outros vinte anos de poesia.
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Em tempo: em 2011 completei 26 anos fazendo poesia.
(Direitos reservados. Publicado pela primeira vez em 05/04/2005 no blog do autor. Parte do livro "Realidade nua e crua", disponível para download gratuito em www.williammendonca.com)