PEDRA SEMENTE
Se me atrevo a contar, aqui, essa minha história, é porque careço de aquietação do juízo.
O quengo ferve, a essa medida dos anos. São muitos e tão de muito pesar nessa cacunda minha: a carcaça velha já não tá de aguentá a castigância da labuta com a vida.
Vida madrasta, pode crê!
Vida encruada e encavacada, no pelejado do muito persistir! No insistir de viver, em contradito à lei que governa o viver-Sertão: poucos morrem de velho – esse era o preceito!
Nos tempos de maior calejado, quase tudo morria no chumbo das balas. Moléstia era muita, mas uns poucos tinha primazia de morrer de doença; muito poucos de velhice. Está eu aqui, no afirmar que não minto: sobrou eu só, dos muitos parceiros de luta.
Só eu! E tô aqui no apreceio do vai e vem da vida e da morte, nesse Sertaozão sem quase findo que por muitos anos foi regado com o sangue dos muitos sertanejos. Se não de jagunço ou cangaceiros era de qualquer filho de Deus, mesmo que sendo um pobre inocente.
Já vejo as aves de mau agouro, de manto escuro, varejando no meu redor; já tô di’vê os ponteiro do tempo se achegando pro meu acabado.
Os tempos são outros e só Deus sabe como resisti a tantos.
Vida madrasta!
Vida calejada, a vida-labuta que nóis viveu!
A vida de agora não é tanto assim muito boa – resmoneio por demais –, mas em nada comparado com à rapinagem do ferrenho de uns tempos de muito desapego da vida; mas de grande apegado à honra do pelejado maldito que tinha por nome cangaço.
Não sei se hão de querer ouvir, mas tô de querer contar e vou contar por desafogo!
Trecho do Livro "Pedra Semente":