O Rei e o Peão
Estendido no negror do asfalto,
um corpo, sem rosto e sem rezas
e de todo silente e paciente:
não vem o rabecão na hora marcada!
Não tem nome nem título de eleitor.
É apenas um número mais nas contas do dia.
Tá lá um corpo estendido no chão...,
sem pressa, sem reza, sem cova, sem vela...,
quem passa só olha de viés para o corpo;
os que rezam, não rezam pelo morto;
os que zelam, não zelam o defunto esse;
os que choram, choram por outros poréns!
Morre mais um João Ninguém!,
ínfimo mais que o “ninguém” que era em vida!
Sem alvoroço vai cada um para o seu lado...,
cada quem no seu cada qual do habituado,
com as coisas que lhes convém purgar...,
é só mais um corpo estendido no chão!
Só mais um morto, no computo do costumeiro!
Mas há de convir, nossa pretensa razão:
um morto é um morto, seja lá quem for finado
ou o que mais pretenda ser, além d’um parco defunto.
São todos de um mesmo ibope ou renome:
seja um corpo morto e estendido no chão;
seja um corpo morto envolto em seda e paetê!
Quando acaba o jogo, sem dúvida qualquer,
o rei e o peão voltam para a mesma caixa!