Ah, o Silva!
No meio da reunião anual da empresa, com todo o departamento presente, um deles observou com certa jocosidade:
- Você está com um sorriso diferente no olhar, Silva, uma certa felicidade incontida. Conte-nos a razão.
E por trás da máscara de proteção contra mais um vírus pandêmico pôde- se entrever um sorriso largo de felicidade.
- É, Silva, abra o jogo, meu camarada!
E ele, erguendo-se, pigarreando e empertigando-se, anunciou:
- É que estamos aguardando gêmeos. Sexta-feira iremos ao médico para saber o sexo dos bebês.
Houve uma explosão de gritos, palmas e cumprimentos efusivos ao Silva, que balançou a cabeça, emocionado. Eis que uma daquelas pessoas que têm como arte fazer perguntas óbvias, das quais todos sorriem, mas muitos gostariam de fazer sem ter coragem.
- Parabéns, Silva. Então a sua esposa está grávida?
- Não – ele respondeu de bate-pronto – A vizinha.
Houve um silêncio total entrecortado por risos, olhares orgulhosos e surpresos dos homens, horrorizados e surpresos das mulheres!
E Silva se viu na obrigação de explicar:
- Foi o melhor acordo que fechei em anos, pessoal! Eu verei as crianças, mas ela cuidará; eu darei educação bélica e ela a educação empática; eu cuidarei da alimentação raiz e ela dá alimentação saudável. Ela os encaminhará a psicólogos, e eu aplicarei a psicologia do cipó no lombo... Perfeição!
Homens olhavam com inveja e orgulho incontido pela atitude arrojada do colega. “Por que eu não posso ser como ele?”, pensavam ostensivamente.
As mulheres balançavam a cabeça, desaprovando. Umas apelavam para as regras divinas, as feministas propunham contar para a mulher dele imediatamente. As feministas radicais queriam demiti-lo e torturá-lo em praça pública, castrando-o e usando a suposta vizinha como exemplo de uma mulher frágil, seduzida e enganada...
O burburinho se intensificou, uns querendo de Silva a receita sedutora para tentar o mesmo, outros lamentando não terem vizinhas bonitas... Algumas querendo fuzilá-lo com o olhar, outras fitando-o com pena, e umas com o dedo em riste, pretendendo agredi-lo mortalmente.
Os chefes apareceram imediatamente, os seguranças e os departamentos vizinhos. Os fofoqueiros de plantão cogitaram ligar para a imprensa dado o caso constrangedor, mas outros argumentaram sobre um possível processo por intromissão na vida alheia, o controverso assédio moral a um suposto assediador sexual... Ninguém lembrava que traição não era crime no código penal.
Até que Silva pediu tranquilamente a palavra e informou:
- Pessoal, reconheço que a piada não foi de bom gosto, mas, se estou o dia inteiro aqui, trabalhando, inclusive aos sábados e domingos, como arranjaria tempo até para conhecer a vizinha? Fake News! E foi até à máquina de café servir-se de um capuccino relaxante.
Algumas fêmeas mais radicais ainda permaneceram em dúvida. Jamais o olhariam como antes. Ah, o Silva!
Marcelo Gomes Melo