Sobre a sede por imortalidade
Da sacada do prédio, os pobres parecem formigas. Da cobertura são todos esmagáveis sem uma razão necessária, como medo ou asco. Eles não conhecem o viver lá embaixo, não têm noção do preço de um pão, raciocinam em milhões e suas mentes matemáticas não incluem emoções além da excitação de faturar alto, arriscar alto com a vida dos outros, manipular, criar regras que as limite.
Da cobertura do prédio o céu é mais azul e o mundo é diferente. Eles exorcizam os próprios demônios com rituais absurdos que envolvem a morte dos pobres. Planejam ganhos, inserem cálculos complicados que os dirão a quem eliminar, quantos matar e a porcentagem segura a manter vivos, sob controle, como futuro sacrifício em caso de necessidade.
Com esses sacrifícios enriquecem mais, aprendem mais a controlar, dominar e extinguir ao seu bel prazer. Um ponto ainda os incomoda, entretanto: eles ainda envelhecem como todos os outros, não importa o que façam, o que tentem. Envelhecem, murcham como flores, e a ganância continua, não parece diminuir nem secar como os seus corpos decrépitos ao sol da cobertura ao lado da piscina.
Os olhos. Assombrosos, lúbricos, parecem não pertencer aos corpos. São uma entidade à parte, assim como o cérebro, que funciona como um computador cuja memória foi inserida com toda a maldade e maquiavelismo que uma alma pode suportar.
Eles não enxergam os pobres como seres humanos, mas como formigas. Vermes. Esmagáveis. Tudo para manter a sua sede por imortalidade. O preço a pagar para continuar a existir é irrisório, caso consigam.
É assim que se vive no planeta das águas. Ilhados na terra, cercados por todos os lados, procurando dominar a tudo o que desejarem, sugar do planeta poder suficiente para suportá-lo. Desafiam descaradamente, com ódio para encobrir o medo. Recusam-se a reconhecer que o planeta é inacabável, enquanto todos eles apenas habitam uma cobertura, facilmente demolível. Sim, há um fim.
Marcelo Gomes Melo