Dois drinques
O homem vivia de impressões. Era a forma como ele levava a vida. Tinha a impressão de algo e bang! Seguia sem pestanejar; se estivesse certo, tomava um drinque e comemorava. Se algo desse errado... Dois drinques. Um para lamentar e outro para se refrescar e continuar a vida.
Jogo do bicho, loteria, bingo... Às vezes ganhava, mas, havia uma regra que a sorte impunha: jamais faturava muito dinheiro. No máximo conseguia um carro novo, a grana para dar de entrada... Uma vez ganhara o suficiente para quitar a casa, nada além disso. Nunca reclamaria da sorte.
Quando olhava uma garota e tinha a impressão de ter sido olhado de volta, erguia o copo e dava um sorriso. Geralmente bastava para um papo inicial, e a sequência definiria o período de duração e a intensidade do contato.
Nunca ser perguntara se todos procediam dessa forma durante a vida, se era uma filosofia comum seguida por todos, do sexo masculino ou não. Ele não era homem de perder tempo com os desígnios do universo, a existência era matematicamente simples. Em um dia estava vivo e no outro... Também.
Não percebia o tempo passar, tinha a impressão de que tudo se resumia a um longo dia com noites no meio, de vez em quando longas, outras vezes curtas, e mudanças no clima aleatoriamente. A humanidade não passava de um exército de bonequinhos de plástico sem vontade e sem arbítrio real, a não ser contra eles mesmos.
Com o passar do tempo as impressões ficam difusas, com um olhar através de uns óculos sujos, de um carro com o para-brisa quebrado. Talvez fosse um aviso de que o tempo podia ser cruel. Isso acendeu uma pequena luz vermelha no fundo do seu cérebro frio, serviu como um empurrão para que definisse o que desejava fazer definitivamente após a aposentadoria. Essa era uma impressão forte.
Sendo um homem simples não ficou impressionado, triste ou pressionado por essa constatação miserável, de tão óbvia. Tratou de partir para as decisões, ajustar-se para o tempo final de sua existência com alguma tranquilidade e dignidade. Decidiu rapidamente comprar uma pequena sala na esquina de uma universidade. Contratou dois funcionários, algumas máquinas de xerox... É isso mesmo, um homem que vive de impressões nunca muda.
Agora seria um executivo do ramo de impressões de papel.
Marcelo Gomes Melo