CONEXÕES DUPLAS
O homem, antes de morrer, entende:
a vida não é a infestação de parasitas
apesar da amargura,
do mau cheiro da rotina,
e da percepção que deforma.
O homem, antes de morrer, percebe:
restos de vida tem validade.
Alguns detritos são suaves,
como as chuva do cinema
a praia do calendário
e a frase
na embalagem do biscoito.
O homem, antes de morrer pensa:
o mundo não era tão mau;
se surgiu o gordo afogado em Ipanema,
também chegaram os palhaços
visitaram a criança
na UTI infantil.
E reaparece aquilo mais antigo,
o desenho de sereia atrás da porta,
os peitos da mulher metade peixe.
(O homem tem cinco anos
e mergulha dentro da gravura).
O homem antes de morrer, arregala os olhos
e está conectado:
a infância ainda é um prisma,
uma refração da luz,
outro meio transparente:
o plasma
que permite o beijo.