Antes da escuridão e do recomeço
Nada como uma boa e velha pandemia para liberar todos os fantasmas guardados individualmente a sete chaves por cada ser humano, sem importar a idade, o credo, os sonhos, gêneros e os objetivos em si.
Trancafiados em si mesmos por décadas, acostumados a fingir ser outra pessoa que em seu julgamento é mais agradável, palatável ao convívio social no qual se aplica a política para alcançar patamares dignos de orgulho, dos quais exercem descaradamente o poder através do dinheiro, comprando, subornando, aliviando consciências, passam a encarar um isolamento um tanto desagradável, real, que os obriga a enfrentar o próprio medo sempre existente de encarar quem realmente o são.
Normas rigorosas assustadoras levadas na brincadeira no início, logo espalham dor e perda aleatoriamente, atingindo igualmente pobres e ricos, sem distinção de cor, religião ou sorte, acontecendo aos montes. Pessoas próximas, conhecidas, famosas deixando o ambiente de súbito, causando choque e fazendo lembrar da mortalidade que ignora padrões de vida altos, poderes políticos, financeiros e artísticos e expõem a miséria interior de quem antes se julgava imune.
As doenças rotineiras de acordo com a condição financeira se tornam maiores, assustadoras, gatilhos iminentes para, associadas à pandemia lhes encomendar um belíssimo traje de madeira.
Em negação, muitos enfrentam a faca com o peito aberto, julgando-se ainda imortais quando apenas são um meio de transferência para mais infectados e mais mortes. No meio da confusão, políticos querem faturar e aumentar o poder, até que sejam pegos no meio do caminho e enviados para uma cama de hospital, com mais chances de sobrevivência que os comuns, mas ainda assim vítimas da própria ambição.
Lidar com os inúmeros problemas como uma família é muito complexo e difícil, exigindo mais de alguns que conseguem tirar alguma força sabe-se lá de onde, deixando em troca a sanidade mental que em algum momento os abandonará.
Nada é fácil, todos sofrem do seu jeito, uns contam as horas para o fim de tudo, especialmente trágico; outros não perdem tempo com isso e ignoram as artimanhas cínicas de uns poucos que desejam mudar o mundo como o conhecemos, geograficamente, socialmente, eliminando a quem consideram inúteis para preservar uma nova raça, com novos dogmas, submetidos a uma dominação completa em nome de um Bem. Um Bem menor.
Esquecem que isso já foi tentado em outros séculos por outros malucos sanguinários, que sacrificaram muita gente e não conquistaram o seu objetivo porque a natureza é mais forte, e comanda os seus filhos, mesmo os mais rebeldes; e no fim os pune impiedosamente, antes da escuridão e do recomeço.
Marcelo Gomes Melo