Os donos da nossa privacidade
Foi impressionante o impacto causado pelo documentário “O dilema das redes” que pode ser assistido na Netflix. A mídia falou dele em manchetes e reportagens. Os formadores de opinião escreveram sobre ele. Para alguns, assustador. Para outros, pura ficção. É um fato. A evolução dividiu os humanos em duas classes distintas. Os manipuladores e os manipulados.
“Falta de privacidade mata mais que terrorismo”. Esta frase também deveria causar impacto. Foi dita pela filósofa mexicana-espanhola Carissa Véliz entrevistada pela BBC News. Publicado agora no Reino Unido, Carissa que é professora do Instituto de Ética e Inteligência Artificial da Universidade de Oxford escreveu o livro “Privacidade é Poder”. A privacidade da qual o livro fala e Carissa diz matar não é a dos “nudes”.
Como no ditado “do boi não se perde nem o berro”, os caçadores de privacidade estão atrás dos mínimos rastros que deixamos no mundo virtual. Aquela opção de navegação anônima oferecida pelos navegadores de internet é uma bela fantasia. Esses caçadores de privacidade sabem de nós coisas que nem imaginamos. O preâmbulo da entrevista começa com: “Eles sabem tudo sobre você”.
Isso antes mesmo de você sair da cama. Sabem a hora que você acorda. Onde você dormiu. Acho que nem adianta alertar para tomar cuidado. Sabem até com quem você dormiu. Tudo é espionado. Nosso humor, hábitos, relacionamentos hobbies. Sabem dos nossos medos, das nossas doenças, dos remédios que tomamos.
Há um diário sendo escrito sobre nós pelos caçadores de privacidade. Essas informações são vendidas para corporações e governos. Também estão na lista de clientes as facções criminosas. Vender é lucrativo. Os nossos dados pessoais nas mãos desses compradores lhes dão o poder. A história da raça humana nos ensina. Todo poder democrático ou não, emana da manipulação.
Sem a privacidade não podemos nos proteger dos poderosos. Não teremos a mesma igualdade, a mesma justiça, as mesmas oportunidades. Somos tratados pelo gênero, pela crença, pelo peso, pela aparência física, pelo saldo da conta bancária, pelas cervejas do fim de semana. Nossos dados ajudam a esquecer que deveríamos ser cidadãos iguais.
Carissa diz ser um argumento do seu livro pensarmos nos nossos dados pessoais como uma substância tóxica. Estamos sendo envenenados como indivíduos e como sociedade. Nosso país é um exemplo. Na sua visão, os dados pessoais deveriam ser regulamentados da mesma maneira que as substancias tóxicas e dá como exemplo o amianto.
Continua dizendo ser perigoso tantos dados pessoais mal protegidos disponíveis como mercadorias. Enquanto houver vendedores e compradores, nossos riscos vão além da manipulação chegando ao abuso. E conclui: “Eles são uma bomba-relógio”.