Da felicidade ao necroceno
No domingo li duas entrevistas. Uma com a escritora da Academia Brasileira de Letras Nélida Piñon. Era pelo lançamento do seu novo romance “Um Dia Chegarei a Sagres”. A outra com Leonardo Boff. Apresentado como teólogo, filósofo e ecólogo. Já foi frade e padre. Nas duas, os dois tiveram de responder a mesma pergunta. Se eram felizes. As repostas não têm muita importância.
A “literatura” da autoajuda está recheada de livros sobre a felicidade. O enredo da quase totalidade deles é ensinar como ser feliz. Começa com os títulos. São usados da mesma maneira que um Don Juan usaria para seduzir a mocinha inocente. É compreensível. Ganhar dinheiro e muitas vezes tornar-se milionário escrevendo livros sobre a felicidade deve deixar os autores felizes. Se quem foi seduzindo é ou será feliz, também não tem muita importância.
Nossos três “pensadores pop” decidiram ir além no assunto. Leandro Karnal, Mário Sergio Cortella e Luiz Felipe Pondé escreveram “Felicidade: Modos de Usar”. O livro é o resultado de um bate-papo entre os eles. Pobre leitor seduzido. Ainda nem conseguiu aprender a ser feliz e já precisa conviver com seus “modos de usar”. Garanto que no livro não se lê que um dos modos de usar a felicidade é escrever caça-níqueis sobre ela.
Qualquer tentativa de ensinamento sobre como ser feliz é uma fake news. O que apenas podemos sentir e cada um sente de forma diferente não é ensinável. O maior defeito dos humanos é a busca pela felicidade individual não importando o preço a se pagar. A verdadeira essência da felicidade é coletiva. Seria a nossa maior virtude. Uma virtude que jamais almejamos ter.
Essa nossa busca doente pela felicidade individual é uma das variáveis na equação que nos leva ao “necroceno”. A palavra foi usada por Leonardo Boff. Seria como se vivêssemos numa idade geológica na qual os humanos espalham a morte pelo planeta. Boff se refere a nossa época atual no que discordo. Evoluindo o Homo sapiens nunca quis sair da era no “necroceno”. No século 20 continuamos nela.
Assim como a ciência descobriu no genoma 41 variações associadas a pessoas canhotas, um dia descobrirá que espalhar a morte pelo planeta também está em nosso DNA. Depois de trocar os galhos das árvores pelo chão das florestas, a evolução usou a morte como um trampolim. É assustador uma raça evoluir com o princípio de que matar é a melhor solução se autoproclamar “civilizada” com o significado que a palavra tem.
A cor que marca os humanos na história é a do sangue. Das ideologias às limpezas étnicas chegando a Deus, motivos para espalhar a morte pelo planeta nunca faltou nem faltará. A história só nos conta dos mandantes desses genocídios em massa. Nunca das massas que apoiavam esses mandantes. Espécimes quase sempre travestidos de “mitos”.