Até que ponto a poluição sonora pode incomodar
A quantidade de pó naquelas roupas surradas denotava o longo caminho percorrido sob o sol, naquela estrada de terra cercada por campos e plantações, a pé, sendo ultrapassado de vez em quando por poderosas pick-ups que o faziam comer poeira. Os caipiras de hoje não são mais como os de antigamente. Imitam americanos, usam artigos importados e os cavalos estão no motor de seus touros potentes.
Muitos deles são os próprios touros, adoram chorar ouvindo letras nocivas sobre traição e dor, encher a cara de uísque com energético, cantar com vozes agudas e finas, atormentando a eles e aos outros.
Por isso resolveu parar em uma casa pobre em um sítio pequeno para pedir um copo com água; lá seria melhor recebido, e quem mata a sede de um homem, umedece a garganta seca de um coitado, ganha uma quota mais alta para a entrada no paraíso.
Enquanto bebia e aceitava um pouco mais, pensava em como era irônico fazer aquela caminhada a pé para cumprir o contrato.
Chegar de carro por aquelas bandas chamaria muito a atenção, ainda mais se não fosse uma pick-up com som profissional explodindo os tímpanos da vizinhança pobre, e até dos peixes nas lagoas distantes.
Agradeceu pela água, bateu com o chapéu nas roupas levantando uma nuvem de pó e continuou o caminho, sabendo que só haveria sinal de celular quando chegasse ao grande rancho, à fazenda gigantesca onde ocorriam as festas com garotas bronzeadas, nuas na piscina com chapéu de boiadeiro, e os caipiras de corte de cabelo igual e camisas xadrez, botas de couro de cobra e um dialeto forçado para as câmeras de TV e internet.
O contratante fora claro: muita desordem, sangue e destruição. Tudo deveria ser filmado e postado na dark net para assombro do mundo e uma mensagem pacifista. “Contra o barulho artificial, que não servem para nada e ainda contribui para a poluição sonora que fabrica burros.
O eliminador apenas se importa com o que vai receber, e realiza o que foi combinado ao pé da letra. Quando pulou a porteira automaticamente ficou alerta, tenso e preparado. Checou as armas e encontrou a primeira vítima na sala, assassinando um violão. Antes que lhe perguntasse quem era levou três tiros de pistola com silenciador. Observando atentamente os cômodos, ouviu um barulho na cozinha onde encontrou o outro elemento fazendo um sanduíche de ovo com mortadela. Mais três tiros. Fácil. Esses agora só cantariam para subir. Após verificar a casa principal é certificar-se de que estavam sós, começou a segunda parte da encomenda. Com uma granada explodiu um pequeno estúdio com instrumentos musicais. Enquanto caminhava pela casa ia destruindo tudo sem piedade. Os equipamentos de filmagem para lives, por exemplo. Na piscina jogou outra granada. Acabou com a churrasqueira e, antes de sair pegou a chave da pick-up. Não voltaria a pé, isso não constava no contrato. Pelo celular informou o contratante e o pagamento foi transferido.
Ao chegar próximo à cidade explodiu o automóvel e procurou um bar para tomar uma cerveja gelada. Logo começou a ouvir boatos da live que dera errado na fazenda de famosos.
Marcelo Gomes Melo