Sobre quando se morre
Para quem está atento ao noticiário da mídia escrita e falada sobre a Covid-19, é possível fazer duas afirmações. A primeira. Nunca antes na história moderna a palavra morte esteve tão presente no nosso dia a dia. Ela incorporou-se em cada um de nós quase como uma outra espécie de vírus. O medo não é de ser infectado. É de morrer.
A segunda é sobre a ciência. Longe das redes sociais onde se discute a ideologia dos remédios, correndo atrás de uma cura ou vacinas, a ciência foi desbravando o seu espaço na mídia. Agora quase em todos os grandes jornais do país, a ciência também é um assunto diário. O jornal O Globo, por exemplo, criou “A Hora da Ciência”.
É sobre um artigo escrito por Roberto Lent para “A Hora da Ciência” sobre a morte que falaremos. O título é “Os sinais ocultos de consciência nos pacientes à beira da morte”. Lent é neurocientista, professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador do instituto D’Or. “Sobre Neurônios Cérebros e Pessoas” e “Cem bilhões de Neurônios” são livros escritos pelo autor do artigo.
Lent nos conta ser fácil saber quando uma pessoa está morta. O corpo sem movimento, o coração parado, sem respiração e silêncio no cérebro. Antes da morte existe o que Lent chama de “transição” que é um processo lento. Saber em que ponto desta transição a pessoa se encontra é onde reside o problema. Em que momento da transição a morte é definitiva ou haverá a chance de regresso à vida.
Lent explica as diferenças entre o coma, o estado vegetativo e o estado de consciência mínima. Em todos não há comunicação da pessoa com o mundo e se diz que ela perdeu a consciência. Entretanto, em todos esses casos, a evolução pode terminar na morte ou em vida. Os neurocientistas buscam por respostas para essa transição.
Com a ajuda da ressonância magnética pesquisadores sugeriram a pacientes nesses estados se imaginar indo de um cômodo a outro da casa. Houve atividades cerebrais nas regiões da memória espacial. Ao pedido para se imaginar jogando tênis, regiões do planejamento e execução motora se ativaram.
Outro pedido foi feito no ouvido dos pacientes. Imaginar um passeio como um “sim” à próxima pergunta, e um tênis como “não”. Então perguntou-se se o nome do paciente era tal. Com atividade, as áreas cerebrais responderam corretamente com sim e não todas as perguntas.
Então chega a vez da ética entrar na equação. E se o paciente fosse induzido a responder com um sim ou não se quer continuar vivo. Uma resposta seria aceita pelas leis? O que diriam as religiões? Não está no artigo, mas sabendo disto muitos familiares iriam querer que essa pergunta fosse feita no ouvido de algum ente querido. Sem precisar de respostas, Lent afirma que hoje a probabilidade de acerto entre a vida e morte é boa.