20 DE JANEIRO DE 1983
Passo mal perto do almoço. Exatamente na hora, eu me recordo do meu teste fracassado no Flamengo durante a adolescência. Não foi igual ao Garrincha que driblou várias vezes o Nilton Santos até o Nilton Santos pedir a contratação porque era melhor Garrincha ao lado do Botafogo do que contra.
Eu me lembro então do cine-jornal “Canal 100”. O Canal 100 mostrava os gols do Brasil. Um dia vi três gols do Garrincha no cine-jornal antes do filme “O incrível homem que encolheu”. A história mostrava um homem que, atingido por uma nuvem radioativa, encolhia até ficar do tamanho de uma bactéria... e quanto menor a vítima era reduzida pela radiação, quanto menor ficava... ele olhava para o céu e o céu continuava dentro da mesma distância.
Assistir aos gols de Garrincha e depois aquele filme pareceu-me um contrassenso, pois se alguém jamais diminuiria este alguém seria Mané Garrincha. O seu futebol não só o deixava imenso; transformava os adversários em bactérias de chuteiras.
Tomo seis comprimidos que nunca melhoram meus problemas de ausência. Eles são um pouco como as finais de campeonato depois da copa do mundo de 1970; um desconcerto diante do jogo que poderia marcar a final da história do futebol.
Por causa destas recordações termino deslumbrado em uma sala de troféus irreal, entre estrelas, comprimidos, medalhas, taças perdidas, bolas gigantescas e gols estranhos.
- Jairzinho contra a Itália na copa de 1970. A sua perna direita não chutou, mas no quase chute foi dela a autoria do terceiro gol do Brasil!
No final da tarde passo mal novamente. Alguns banhistas me veem questionando mendigos e gritando dentro de agências bancárias. Chamam a polícia quando estou perto do Hotel Copacabana Palace. A polícia me segura, depois chega meu irmão e vou parar na UTI do Hospital Miguel Couto. Durante todo o transporte tenho uma sensação de estar no meio de um grande estádio. Uma sensação que alguém poderá perceber quando estiver morto e faltar alguém para avisar: “Você morreu, você morreu Marcos, mas está tudo bem agora!”
Eu acordei antes da revelação desta morte. Estava com os dois pés e as duas mãos amarrados em uma cama de hospital repetindo frases futebolísticas. Não cheguei ao limite de responder aos avisos “Você está morto!” “Tua vida passou!”. Eu talvez perguntasse: “ Porque demoraram tanto para me informar! Para onde eu vou agora? Temos algo a fazer, não é? Participar de um “rachão” em um gramado de nuvens? Acho que me responderiam:
- Faça o que você quiser. O retorno é até possível, pois o sentido de tudo é a perfeição. Como voltar ao mundo no dia em que Garrincha morreu. Nascer jogador de futebol como Mané Garrincha no dia 20 de janeiro de 1983.
Trecho do livro: O AVESSO DA CAMISA SETE