Carnaval, cerveja e mulheres bonitas: a receita de um grande negócio
O carnaval de 2015 chegou. Já é sabido que no Brasil o carnaval esbanja sensualidade. É muito diferente do carnaval de Veneza, com suas máscaras coloridas. Todos os anos acontece uma grande festa dos sentidos regada à cerveja, muita cerveja. Não estou fazendo uma crítica à cerveja e muito menos à sensualidade. Todavia, há muito tempo o Brasil vendeu ao mundo uma imagem muito sexualizada das nossas mulheres. Aí eu vejo problemas, pois se trata de um estereótipo, de uma imagem produzida, que nem sempre corresponde à realidade. Não quero dizer com isso que as nossas mulheres não são belas, pois elas de fato o são. Mas elas não são apenas pedaços de carne expostos nas revistas masculinas e nas telas da TV, para serem devoradas, longe disso...
Todos já sabem, há muito tempo também, que essa estereotipia tem estimulado o turismo sexual, que acaba, inclusive, envolvendo meninas menores de idade. Não pretendo prelecionar aqui sobre os malefícios do estereótipo da sensualidade brasileira e muito menos fazer um discurso puritano (careta, como se dizia nos velhos tempos). Também não dá para ser hipócrita neste tipo de assunto. Por exemplo, não se pode desconsiderar a importância das propagandas governamentais que estimulam o uso de camisinhas nas relações sexuais, que nessa época acontecem ao acaso e aos montes. Elas contribuem para evitar gravidez indesejada e as doenças sexualmente transmissíveis (venéreas, nos velhos tempos), diminuindo os problemas para as famílias e para a saúde pública.
Então, vou falar sobre a relação entre a cerveja e a sensualidade, em particular a feminina, uma relação criada pela máquina da propaganda. O sexualidade humana tornou-se uma mercadoria de grande valor. A antiquíssima prostituição, perde muito em termos de produção de riqueza (precisamos rediscutir o conceito de riqueza) para as novas formas de exploração da sexualidade. As revistas masculinas, os filmes pornôs, os sex shops e a respeitável propaganda, que entra nas casas das famílias todos os dias, faturam bem mais.
Até os anos sessenta do século XX, a humanidade era muita reprimida sexualmente, inclusive no Brasil. A partir dessa época iniciou-se um movimento de liberação da sexualidade, que ganhou grande força nas duas décadas seguintes. Foi uma explosão sexual, tamanha era a energia reprimida durante muitos séculos. A psicanálise, com Freud, Reich, Jung e outros mais, tratou do tema repressão sexual com profundidade já no início do século passado. Assim, essa explosão já era esperada e já tinha sido há muito anunciada. Até aí tudo bem, os seres humanos precisavam extravasar e acertar contas com esse passado que demonizou o sexo e, em particular, as mulheres, as portadoras do pecado na tradição judaico-cristã. Perfeito!
Era uma sociedade hipócrita. As moças deveriam ser guardiãs da própria virgindade, da sua pureza. Sexo, só depois do casamento. Tragédias e mais tragédias aconteciam quando esse pacto macabro era quebrado. Todas as famílias têm histórias para contar. Lembram-se da frase engravidou tem que casar? Usava-se também a expressão casar na polícia.
Tinha outra expressão, também muito usada: ele fez mal à minha filha? Mal, como? Era uma vergonha! Os moços, por sua vez, estavam dispensados desse pacto. Eles podiam fazer uso das prostitutas e, de fato, o faziam. Entretanto, não deixavam de ser reprimidos, pois pesava-lhes a moral, a ideia do pecado. Tudo bem, tratava-se (tratava-se?) de uma sociedade patriarcal e aos moços cabiam apenas algumas reprimendas. Bem... pelo menos, a sociedade apresenta-se bem menos hipócrita hoje em dia.
Com a liberação da sexualidade, o mercado (vivemos numa economia de mercado) vislumbrou novas possibilidades e, como costuma transformar tudo em mercadoria, apropriou-se da liberdade sexual e a mercantilizou. A partir daí, as revistas masculinas começaram a sua ascensão. No início elas apareciam com as suas capas cobertas por plásticos escuros, protegendo a nudez das modelos. Com o tempo, os plásticos desapareceram. Com os vídeos cassetes surgiram os filmes pornôs e as cenas de sexo explícito, que antes eram acessíveis apenas nas antológicas revistinhas desenhadas por Carlos Zéfiro (os famosos catecismos), tornaram-se corriqueiras. Os catecismos, que eram proibidos e só eram vendidos na clandestinidade em algumas bancas de revistas, tornaram-se ingênuos face as novas abordagens da indústria do sexo.
Bem, enfim vou falar sobre a sensualidade e a cerveja. A indústria da publicidade também, aos poucos, assenhorou-se da liberdade sexual. As propagandas com apelos sensuais entraram em muitos segmentos do mercado. No caso das bebidas alcoólicas, em particular na propaganda brasileira, os apelos são bem visíveis. Já observaram que no caso das cervejas, os consumidores dos comerciais são todos jovens e muito bonitos, em especial as mulheres, com seus corpos esculturais? Já notaram que nas mesas costumam aparecer várias garrafas, sugerindo um consumo não moderado? Depois dos apelos que sugestivamente apontam a cerveja como um tipo de afrodisíaco (desde quando álcool é afrodisíaco?), vem o fechamento da propaganda: beba com moderação.
Nos dias de hoje, seria impensável aquele comercial com o inesquecível músico, naquela época (anos setenta) já avançado na idade, Adoniram Barbosa. Tratava-se da cerveja Antarctica e naquela propaganda apareciam o músico e um acompanhante. O acompanhante começa a falar e é, de pronto, interrompido por Adoniram: nós viemos pra beber ou pra conversar? Uma ingenuidade para a atualidade, com as belas jovens seminuas nos bares das praias. Duvido que aquelas beldades continuariam mantendo as silhuetas esbeltas se, de fato, bebessem aquelas quantidades sugeridas. Todos sabem que as cervejas são bem calóricas, são um tipo de pão líquido.
Há alguns anos aquilo que estava implícito na propaganda explicitou-se no mundo real. Na linha do sexo com cerveja ou da cerveja com sexo, surgiu uma cerveja chamada Devassa. Eu digo: que coisa vulgar. Desculpem-me caso haja algum leitor que toma essa bebida, o que imagina a pessoa que chama pelo garçom e pede: eu quero uma Devassa? Que raio de fetiche é esse?
Mas é carnaval, não me leves a mal... Este artigo teve apenas a intenção de chamar a atenção para algumas das armadilhas da indústria da publicidade, tem muitas... Os jovens, cujas vidas sexuais estão na sua aurora, podem ser as principais vítimas das abordagens maliciosamente sexualizadas das propagandas. São apelos muito bem feitos, sugestivos, que podem induzir um consumo desregrado, imperceptivelmente.Todavia , divirtam-se!