MALES QUE VÊM PARA O BEM: AGRICULTURA ORGÂNICA EM CUBA
Nos tempos idos da extinta União Soviética, Cuba era profundamente dependente da importação em larga escala de alimentos básicos que eram consumidos internamente. A indústria também dependia da importação de fertilizantes químicos, herbicidas, pesticidas, rações para animais e de combustível para a maquinaria agrícola. Tudo isso acabou com o fim da União Soviética entre 1989 e 1991. Nesse período, Cuba perdeu mais de 60% de seu comércio exterior. A fome e a desnutrição voltaram a assolar a vida dos cubanos e o país mergulhou numa profunda crise econômica.
Com requintes de crueldade, naquele momento difícil, os Estados Unidos (EUA) endureceram o embargo econômico à Ilha de Fidel, imaginando a hipótese de colapso do governo que se estabelecera há décadas na Ilha. Ao governo cubano restou uma enorme tarefa: dobrar a produção local de alimentos usando os poucos insumos químicos disponíveis naquele momento crucial, mas Cuba acabou seguindo outro rumo.
Esther Roycroft-Boswell (Coordenadora de Consultoria Internacional, HDRA, Coventry, Reino Unido) teve seu artigo Perspectivas da Agricultura Urbana Orgânica em Cuba, traduzido e publicado pela Revista de Agricultura Urbana (RAU), ed. n. 6, março/2002. Lá se vão 16 anos, mas o artigo ainda é muito atual e relevante. Nele a autora aponta como se deu o crescimento da agricultura orgânica na Ilha e levanta a hipótese de uma discutível solução de continuidade da mesma a partir do processo de distensão do embargo econômico imposto pelos EUA. Abaixo eu relato os pontos relevantes do artigo que foi devidamente traduzido por Joaquim Moura para a RAU em março de 2002.
Conforme a autora, os dirigentes cubanos sentindo-se pressionados com a perda dos agroquímicos importados e pressionados pela consciência dos danos ao meio ambiente causados pela agricultura convencional, buscaram novos métodos de cultivo sustentáveis para ressuscitar a sua produção alimentar doméstica. Alguns cientistas agrícolas cubanos já realizavam pesquisas com agricultura orgânica e promoviam métodos sustentáveis de plantio desde os anos 70. Então, o governo dirigiu-se a eles em busca de orientação.
Esther Roycroft-Boswell informa que grandes extensões de terra usadas para a agricultura de exportação foram convertidas à produção de alimentos. Incentivos governamentais estimularam os desempregados nos centros urbanos a migrarem para o campo. Também foram introduzidos métodos orgânicos como: rotação dos cultivos, produção de compostos orgânicos, aumento da biodiversidade nos cultivos, proteção dos predadores naturais das diversas pragas agrícolas e a conservação da água e do solo.
Os institutos de pesquisa de Cuba encarregaram-se de desenvolver técnicas de compostagem mais sofisticadas. Foram abertos mais de 200 centros para produção e difusão de métodos de controle biológico de pragas. A partir de 1996, as posturas dos municípios focaram na produção orgânica local de alimentos, informa a autora. Para estimular também a produção de alimentos em pequena escala no meio urbano, o governo distribuiu terras que não eram utilizadas àqueles que desejassem cultivá-las.
Indiferente aos muitos incrédulos, a autora mostra-se otimista com a continuidade da agricultura orgânica em Cuba, de acordo com as suas palavras, abaixo::
Houve quem duvidasse se o governo continuaria apoiando a longo prazo um enfoque mais sustentável para a produção de alimentos, e alguns ainda acham que o governo mudará de enfoque se o embargo for levantado e se os agrotóxicos e adubos químicos estiverem de novo facilmente disponíveis. Porém a adoção massiva da produção orgânica teve um enorme impacto e parece que seu apoio já se difundiu por todo o governo, e não se mantém somente devido à decisão de uns poucos. A partir de 1998 o Departamento de Agricultura Urbana foi integrado ao Ministério da Agricultura, com abrangência nacional, e desde então vem divulgando crescentemente os métodos orgânicos de produção.
Considerando as palavras otimistas da autora como confiáveis, tudo tem levado a crer que se trata de um caminho sem volta, pois as hortas nas escolas e/ou mantidas por elas em terrenos próximos tornaram-se muito mais comuns, a partir do momento em que a produção local de alimentos e a ecologia tornaram-se parte do currículo escolar. O crescente interesse por formas sustentáveis de energia e por tecnologias apropriadas levou à criação de centros de experimentação e demonstração, bibliotecas itinerantes e escolas de extensão das novas técnicas agrícolas.
Hoje em dia, os agricultores cubanos, tanto rurais como urbanos, produzem para si e suas famílias e também para os consumidores. Mas Cuba não parou aí, também interessou-se em exportar produtos orgânicos. O governo decidiu desenvolver um método de certificação orgânica com a ajuda da Soil Association (Reino Unido), da Federação Internacional de Movimentos de Agricultura Orgânica, e de outras entidades internacionais ligadas ao assunto em questão. Em posse da certificação orgânica, os agricultores estarão habilitados a aumentar suas rendas exportando e vendendo seus produtos etiquetados como orgânicos aos turistas, a preços mais rentáveis. Torçamos para que não haja retrocesso! Aguardemos...
Leia o artigo completo da autora em:
www.agriculturaurbana.org.br/RAU/AU06/AU6perspectivascuba.html
http://www.ruaf.org/sites/default/files/AU6perspectivascuba.pdf
http://www.agriculturaurbana.org.br/
Leia também:
Agricultura urbana ecológica: a experiência de Cuba. Em:
http://www.agriculturesnetwork.org/magazines/brazil/semeando-agroecologia-nas-cidades/agricultura-urbana-ecologica-cuba