OS IDOSOS SÃO LIVRES
Os idosos são livres
e perderam os dentes
ou melhor, o suor deste senhor
não desce pelas reentrâncias do seu rosto,
antes se evapora,
porque tudo é mais seco
e o idoso anda pelo deserto
da subida rumo à farmácia.
Ele não morrerá hoje,
sentará naquele banco,
que já viu muitos tipos de velhos,
aqueles de outros mundos,
dos carecas, dos corcundas
que cantam uma canção baixinho.
Mundos diferentes deste que agora treme
- não é a sua mão esquerda -
onde toda perda de memória é uma gripe leve.
Mas hoje a cor roxa murcha no senhor senil,
ou um controle remoto está em seus sapatos.
Ele anda
vê também algumas crianças que fecham os olhos
e eis por aqui mais um futuro decrépito
para amolar os vira-latas
que sentem o cheiro da senilidade
e de línguas fora das bocas.
(O idoso acordou às dez da manhã.
Ele não morrerá hoje,
as dez da manhã é muito tarde,
para morrer, tomar café,
procurar os óculos).
(A velhice quando encontra os óculos,
avisa aos seguranças dos edifícios
e avisa também que todos os seus filhos,
do sexo produtor das madrugadas;
todo o tempo antes dos inchaços,
das varizes pregadas as calças,
vieram de seus olhos habilitados
a ver demais).
Hoje o idoso não vê mais nada,
ele abre a farmácia às onze da manhã,
cumprimenta os funcionários.
Eles criaram os remédios:
o “FOSFOSOL” para a memória,
o “Óleo de Rícino” desde criança,
o “1 MINUTO” para os dentes,
mas não há mais dentes.
A memória do idoso retorna
na subida para a farmácia.
Todos estamos livres dos próprios dentes.
As gengivas reinam de modo pleno,
enfim abertas, enfim roxas.
O idoso lê tudo ao redor,
pensa em entrar em contato com o mundo
e pedir enfim a liberdade
pela sua conduta
na organização criminosa chamada:
"A ideia de curto prazo vencerá".
DO LIVRO: "CRIANÇA, SUBSTANTIVO SOBRECOMUM"