FARDO
Peço desculpas por existir, antes mesmo de apresentar-me.
É que ando meio tonto, embebedado pela realidade.
Vim para o mundo errado, disso tenho certeza.
Passei dormindo pelo ponto e acordei envolto em tristeza.
Notei ser um mundo torto, cria de engodos milenares.
Vi senhores em tronos, adornados de ouro e cocares.
Pedi licença aos mendigos, com vergonha do que pensariam.
Fiz promessa pros santos sem sequer saber se existiam.
Sinto muito, novamente, mas reforço o que disse a contento.
Sei que existo como gente, mas deixei de explicar meu intento.
Acrescento ser do norte, ser do sul, do leste e do oeste.
Falarei enquanto posso, pois a vida que tenho é doente.
Não verá minhas palavras maldizendo a vida alheia.
Não serei de qualquer grupo, mais fino que um grão de areia.
Sorrirei só em meu canto, ouvindo os hinos cantados.
Darão glória aos seus santos, fingindo o perdão dos pecados.
Seguirei observando se os rastros tomarão outro rumo.
Tomarei como verdade o que sinto ao morrer nesse mundo.
Peço apenas lembranças quanto ao que é certeza de fato.
Pois que minta em resposta, sem a máscara e todo o seu fardo.