Primeiro Capítulo [livro Abadon e as bruxas de ucayali] livraria Ixtlan
Capítulo I
O lugar era possivelmente aconchegante ao seu modo de vida, articulado por rotinas quase sem precedentes. Costumava sair nas noites, seus olhos ainda se adaptavam ao dia, mas era da noite que esperava tão ofegante. Olhar para aquela bola de luz cinzenta, flutuando sob um céu imerso de pessoas movidas a deveres e hábitos.
O mundo era um cenário perfeito, não poderia esperar nada de recompensas, apenas o que lhe foi estimado. Sua incumbência, uma triste forma de mostrar ao mundo de seus ancestrais, a dor, a morte e a vingança que o levou a cometer tantos sofrimentos.
Sua casa era praticamente afastada do centro da cidade, pequena, mas intocável. De frente pra sala e entre a pequena cozinha havia uma árvore supostamente antiga, suas folhas compridas davam o parecer de um leque picado, e quase sempre os passarinhos apanhavam frutinhas para se alimentar. A sombra era agradável, mas naquele outono teria que aparar, pois o deixou crescer demais e suas folhas balançavam na janela, e incomodava seu silêncio noturno.
As janelas molduradas com madeira antiga estavam até conservadas, devido o tempo que ficou fechado e umedeceram com os pingos da rachadura do teto que deslizava sobre o friso da madeira. Tinha muito trabalho pela frente, muito afazeres que tinha a opção de ajustar alguém ou terminar com aquela situação. As paredes recalcadas pelo inverno, a qual se recusou de manear uma tinta pra tirar o mau cheiro.
O único que entendia seu modo notável de viver era seu cachorro, Sete. Que há muitos anos advertiu sendo seu fiel companheiro. Deitava sobre os arbustos e rolava espreguiçando, tentando pegar com as patas os pequenos pássaros que espiavam sua lata de comida.
No fundo de seu bosque particular, existia uma fonte de águas que se desenvolveram com o passar dos anos, algumas margens fora mudado por ele mesmo dando espaço pra uma enorme cascata que se formou. Talvez aquela divindade sempre existisse ali e o espaço que criara foi apenas uma forma de trazê-la de volta. Via e se apreciava da tamanha obra que de certa forma compilou para a natureza. Ficava lá olhando por horas até a noite cair e o céu deslizar seus primeiros raios coloridos para as águas, traçando um desenho imaginário que logo se desmanchava com o vento.
Sete cheirava seu pé pra mais uma de suas brincadeiras, buscar seu arco no meio do lago, ele sabia retorcer a situação e fazia aparecer um largo sorriso preencher o rosto de seu dono, esquecendo o que de fato o incomodava. – Vai, pega o arco. Lançando com força e se jogando logo depois. Sete se debulhava na água se contorcendo para alcançar Abadon.
O preâmbulo da noite já tinha espalhado pelo telhado da casa, as sombras rastejavam para laminar a parte superior, onde estava destelhado. A brisa fina da noite arrepiava seu braço e quando pensava em Sara uma leve dor abaixo de seu abdome gelava sua alma. – Não posso viver assim. – Dizia mais uma vez.
Arremessou uma semente no alto e pisou em passos largos para o banho, molhado das brincadeiras. Sete se debatia para a água sair de seu pelo, em um breve gemido e um estalar de dentes.
Abadon empurrou a porta da sala e um prego entortado que estava mal pregado no batente caiu fazendo um plim e ricocheteando para perto dos arbustos. Abaixou a cabeça para acompanhar seu paradeiro e viu que debaixo dos arbustos onde Sete se debruçava para dormir, havia uma espécie pequena de tampa enferrujada. Deu alguns passos para examinar aquilo mais de perto. Nas extremidades da tampa tinha uma qualidade de fechamento com duas setas indicando; abrir e fechar que mais pareciam lanças. Deu um sorriso automático. – Que droga é essa? E num estalar de dedos, desapareceu. Mexia abruptamente pelos arbustos enquanto Sete rosnava baixinho. – O que foi agora? Seu cão olhava-o com a língua para fora e latia.
Tudo parecia estranho, a visão era surpreendente quase real, talvez autêntico porque sentiu entre seus dedos e viu as setas, não poderia estar tão desiquilibrado a ponto de ver algo fora de sua realidade.
Deixou as folhas secas e se virou para dentro da casa, duvidando que uma divindade pudesse lhe conceder a chance de beber da fonte oculta. De se deliberar de seus deveres de humano e se juntar novamente aos anjos.
Precisava ir à biblioteca local urgente e verificar o que de fato registrava em algum livro, as imagens que lhe tirava o sono. Mas, nunca vira tal coisa a ponto de se preocupar. – Só estou cansado. – Disse. Passando a mão pelos cabelos e colocando para trás.
Tantos anos como humano que realmente o deus do tempo queria lhe pregar peças. Sua vida de historiador já não tinha mais fontes e o regresso para casa não ajudou em nada colocar a mente em ordem, não sabia exatamente qual o próximo passo. Não conseguia entender porque seu guia espiritual o deixou tão sozinho. – Será que foi por abstinência? – Dizia. Olhando para uma xícara na pia. – Ele me deixou como deve ter deixado todos os outros. – Qual o motivo do seu abandono? – O que eu aprenderia com isso? – Dizia.
Depois de um longo banho e pensamentos rotineiros decidiu que manteria a mente limpa para conseguir se concentrar nos deveres da casa até o término do verão. Aproximou da pia e pegou a xícara para preparar um café. Sete roçou sua perna pedindo um pouco de carinho. Ele devolveu coçando seu pescoço.
Abadon esperava que seu dia fosse produtivo, iria colher algumas ervas e separar um pouco pra secar, pois prometera preparar uma tintura para sua amiga e confidente Sara. Ela viria no fim da tarde, sempre entoando que era um verdadeiro fim de mundo e que ele precisava iluminar um bom pedaço de terra aos redores. Seria bom ser precavido, nunca se sabe. Morar sozinho naquele lugar era realmente não ser apenas corajoso, mas louco.
Pegou uma panela de ferro e uma colher de pau, separou sobre um pequeno balcão. Ao lado do fogão a lenha, observando a água que fervia para seu café.
Sete se levantou e rosnou baixinho. Mas, nada havia ao alcance dos seus olhos. Esticou a cortina quadriculada que cobria boa parte da janela pra olhar lá fora e nada viu. – O que foi Sete, ela já está vindo? O cão olhou-o e deitou novamente.
Ao voltar, a cortina esbarrou num pote de vidro que estava no peitoril da janela. E vendo sem ação, o pote se espatifando no chão. Tinha algumas sementes de coentro e umas folhas esbranquiçadas pelo álcool. Um forte odor percorreu a cozinha e Sete com o susto saiu cabisbaixo pra fora rapidamente. – Que droga, me esqueci de que tinha colocado aqui pra curtir. – Disse irritado.
Um som de carro vinha de longe e Sete latia sem parar. – Chega Sete, venha pra dentro.
Uma pequena nuvem de poeira era deixada pelo rastro do carro seguindo o caminho de sua casa. E viu logo que era Sara. Segurando uma toalha, enrolou no punho e soltou um sorriso no canto da boca. Tinha uma maravilhosa visita.