Efuturo: O Príncipe Negro - capítulo 1 - O Nada Grande

O Príncipe Negro - capítulo 1 - O Nada Grande

Primeiro capítulo do livro "O Príncipe Negro", publicado em 2017, Pela Chiado Editora - Portugal.

– Oi!
Silêncio como resposta.
– Tem alguém aí?
Como mais resposta, mais silêncio.
– Não tem ninguém?
As indagações vêm de um ínfimo pontinho perdido no nada. Sua voz é ligeiramente trêmula, ansiosa, angustiada..., pergunta mais uma vez:
– Não tem nada, aqui?!
Aguarda resposta e, quase desanimado, fala em alto e bom som com os próprios botões:
– Não tem nada mesmo. Estou aqui completamente só!
– O que você quer dizer com NADA?!
A resposta vem como pergunta, de uma voz opaca, cavernosa, assustadora..., mais parece um trovejar, somando-se a suavidade e sonolência, apesar de intensa. Um falar preguicento sem denotar importância alguma com o “ínfimo ponto”.
O “ínfimo ponto” se assusta com o repentino atroar da voz. Parece saída de um grande eco soando interiormente. Inquieta-se, mas sente-se mais confortado, afinal, não está só nesse mundo ermo..., ou será que está mesmo só!?... E essa voz é o eco da sua desesperação!...
A expectativa de encontrar alguém aqui é por estar sentindo-se desconfortado e com muitos temores. Sua fala é um desabafo, não uma resposta. Em verdade, sente-se aliviado, mais que acovardado, embora tudo em sua volta pareça assustoso:
– Quero só saber onde estou! O que estou fazendo aqui..., procuro alguém pra conversar.
– Ah! Nesse caso, não vou servir. Não sou alguém.
– Como não é alguém?! Está falando comigo!?
O “ínfimo ponto” interroga de forma exclamativa um tanto espantado por nada ter à sua frente, menos ainda nas suas costas, muito menos nos lados direito e esquerdo. Move-se de forma assustada e estabanada.
A cavernosa voz estronda interiormente, sem, no entanto, arrebentar os tímpanos, rezingando com outra pergunta:
– Quer conversar, o quê?
– Estou sozinho e muito confuso.
– Vai continuar sozinho e continuar muito confuso: não estou para conversa, muito menos para fazer companhia para você.
– Você pode dizer o que é isso aqui, pelo menos?
– Isso aqui! Tudo isso que está vendo.
– Não estou vendo nada!
– Então é nada! Por que o espanto?!
– Quem é você?!
– Eu! Isso lhe incomoda!?
– Não está ajudando em coisa nenhuma.
– Mas eu não quero ajudar!
– Quero saber quem sou, como foi que vim parar aqui, o que é esse lugar, quem é você!...
Enquanto fala o “ínfimo ponto” continua a procura com olhos acesos feito brasa: em cima, embaixo, do lado esquerdo..., direito, na frente, atrás...
O ser, interlocutor, parece inquietado e reclama:
– Está perguntando demais. Não estou com vontade de esclarecer coisa alguma.
– Isso é porque não sabe!
– Isso é porque não sei! Você tem razão.
A voz cavernosa responde com indiferença e faz barulho semelhante a bocejo.
O “ínfimo ponto” insiste em continuar as perguntas:
– O que é você?!
– O que está vendo?
– Nada!
– Então, sou nada.
– É um Nada Grande!
– Como sabe?!
– Não consigo ver início, nem fim. Só vejo nada! Onde você está escondido?!
– Você pergunta demais!...
A voz que sai do nada continua sua falação: parece esturros, parece estrondos, parece trovejar..., parece muita coisa a um só tempo. Impecável, insensível, às vezes assustadora, às vezes suave e graciosa..., parece flautas, ao tempo que parece tubas, ao tempo que parece estrondos..., um trovão a cada palavra com nuances e timbres distintos, passeando entre o aterrador e o atraente..., e a voz completa sua fala:
– Estava eu aqui, em sono profundo, vem você e me acorda, e faz um monte de perguntas..., vai andar por aí, vai! Quem sabe encontra suas respostas mais adiante!?
– Você não pode me dizer?..., seu nome, o que é você, onde estou, quem sou eu, por que estou aqui...
O “ínfimo ponto” fica mais atordoado, mais aparvalhado: nada foi explicado, nada foi esclarecido, nada foi respondido..., e a voz do Nada Grande soa como se não existisse.
– Está me incomodando! Atrapalhando o meu descanso. Deixe de perguntas e vá-se embora!
Insiste a voz que não se identifica, que não esclarece, que parece aborrecida, que soa como trovão: em verdade, um frugal atroar.
– Por que não pode me responder?
– Ah!..., que sono.
– Por que você só dorme?
– Você é tão pequeno!... Nem dá pra te ver!
– Então não se mova pra não me amassar.
– Como vou amassar você? Nem mesmo sei onde você está!?
– Ufa! Assim não vai poder me engolir.
– Como vou engolir você? Não tenho boca!?
– Melhor assim. Melhor ir-me embora.
– E já foi?
– Tenha paciência. Quero saber para onde ir.
– E agora, já foi?
– Pode me dizer o que tem lá adiante?
Silêncio como resposta.
– Está me ouvindo seu Nada Grande?
Como mais resposta, mais silêncio.
– Está me ouvindo não?
O “ínfimo ponto” volta a procurar por todos os lados: nada. Inteiro e completo nada!
Desolado, desassossegado, desmilinguido, peregrina em busca de algo nessa enormidade de nada.
Vaga por um tempo sem conta. Não anda por não ter pés. Arrasta-se, deslizando por sobre a enormidade do nada que parece infindo.
Quando exausto, pejado de aflições, percebe-se maior que apenas um “ínfimo ponto”. Antes não havia nada para comparar por estar no completo “nada”. Agora sente-se maior, embora continue sem nada para comparar. Dilema complexo para um insignificante ponto perdido em um “imenso nada!”.
Altercando a questão que se torna um problema, evoluindo para uma charada, face ao mistério que cerca esse nada sem fim..., avista algo misterioso. Algo esvoaçante a uma grande distância. Por fim uma coisa aparece. Uma névoa no que parece ser um horizonte:
– Será algo interessante? Que seja qualquer coisa! Melhor que essa enormidade de nada: de coisa nenhuma!
Ajuíza, intrigado, mas, um tanto confortado pela descoberta, o agora maior que “ínfimo ponto” segue para lá.