Efuturo: Descanse... em paz

Descanse... em paz

Por que “Descanse em paz”?

Cerrei os olhos.
Não mais verei o céu azul que amava contemplar. Não mais verei as nuvens brancas, que me faziam imaginar o recanto de Deus e Jesus Cristo. Não mais verei as nuvens negras, que indicavam presságio de tempestades nas quais o céu deflagrava relâmpagos fulgurantes e fazia troar atemorizantes trovões.
Não mais verei o sol, que com seus raios me aquecia nas manhãs frias ou bronzeava minha pele quando estirado na praia. Não mais verei a lua, que me despertava o romantismo e adocicava meu coração. Não mais verei o mar, que com seu brilho esverdeado nos encanta e atrai, tornando a natureza mais bela e fresca.
Não mais verei os pássaros que voam, descrevendo linhas imaginárias, ondulantes, que magnetizam nossa atenção. Não mais verei as matizes do verde das florestas cujas formas e volumes me fascinavam. Não mais verei as mudanças que surge nas curvas femininas, tornando-as mais atraentes e belas. Não mais verei as atrocidades perpetradas pelo homem, destruindo e extinguindo o mundo e seus semelhantes.

Parei de respirar.
Não mais sentirei o doce e afrodisíaco perfume de minha amada. Não mais sentirei o odor fétido e repugnante das ruas e praças. Não mais sentirei a fragrância cativante das flores dos jardins pelos quais passo em minhas andanças. Não mais sentirei os olores da natureza, que a tornam tão diversa, complexa e deslumbrante.
Não mais sentirei os cheiros das frutas que recendem nas feiras livres. Não mais sentirei os odores do caos urbano, que nos deixam desconfortáveis, repulsivos e irritados. Não mais sentirei o cheiro de pólvora dos tiroteios que ocorrem nas favelas, em que vidas inocentes são ceifadas, tanto de cidadãos como de agentes da lei. Não mais sentirei a fragrância dos perfumes femininos, que nos encantam a alma.

Deixei de ouvir.
Não mais ouvirei o canto dos pássaros que me inebriavam a alma. Não mais ouvirei o despertar irritante do despertador ao lado da cama, chamando-me para mais um dia árduo e cansativo. Não mais ouvirei as músicas que faziam minha essência flutuar, viajar por doces imagens guardadas em minha mente.
Não mais ouvirei as lamúrias e divergências do meu relacionamento. Não mais ouvirei o som doce e encantador da água que corre num pequeno riacho. Não mais ouvirei os palavrões e as palavras vulgares ditas por pessoas sem princípios ou arremetidas a um estado de estresse momentâneo ou não.
Não mais ouvirei os gemidos e sussurros que me levavam ao delírio. Não mais ouvirei crianças ou indigentes nas ruas pedindo por esmolas devido a crescente arrogância e soberba, praticadas vergonhosamente pela sociedade. Não mais ouvirei o digitar frenético de meus dedos no teclado, criando histórias que emocionavam ou divertiam meus leitores. Não mais ouvirei o palpitar do coração daqueles que tanto amei.

Esvaiu-se o paladar.
Não mais sentirei o sabor das frutas, que nos adoçam não somente a boca, mas todo o íntimo. Não mais sentirei a doçura do hálito de minha amada, em nossos ardentes beijos. Não mais sentirei a deliciosa insipidez da água, substância que nos mantem vivos.
Não mais sentirei o sabor das guloseimas que me fascinavam quando criança, jovem e adulto, trazendo em cada fase da vida um prazer diferente. Não mais sentirei o azedume do sangue no interior de minha boca.
Não mais sentirei o deleite proporcionado pelo consumo do pão, alimento sagrado que conheci no limiar de minha existência e nunca mais deixei de gostar. Não mais sentirei o sabor dos diversos alimentos, cada qual com seus prazeres, cores, fragrâncias e peculiaridades.

Perdi o tato.
Não mais sentirei a brisa fresca do vento tocar-me o corpo, causando-me profundo deleite. Não mais sentirei a potência de uma agressão física, ato cruel que manifesta a opressão vigente na estratificação da sociedade. Não mais sentirei o toque, seja num simples aperto de mãos ou numa carícia.
Não mais sentirei a pulsação ou o bater do coração de meu ente querido ou semelhante. Não mais sentirei a frieza das superfícies sombrias ou o calor dos objetos flamejantes. Não mais sentirei a temperatura das diversas naturezas e essências, para conhecê-las e distingui-las.

Meu coração parou.
Não mais sentirei o palpitar do amor em meu peito. Não mais sentirei o carinho e a atenção que perdi de minha amada. Não mais sentirei a dor causada pela tristeza, pela saudade, pelo desmando, pela crueldade, pela humilhação, pelo desamor.
Não mais sentirei a mudança ocasionada em meu íntimo pelo passar dos anos e dos tempos. Não mais sentirei a alegria, a felicidade, a paixão, a exaltação correr freneticamente dentro de mim. Não mais sentirei o ódio, a repulsa, o desprezo, a indiferença serem instituídos e fomentados pelos homens desprovidos de compaixão. Não mais sentirei piedade e solidariedade por aqueles que clamam por comida e ajuda em via pública.
Não mais sentirei a dor perpétua, parcela inerente à nossa essência e à nossa frágil carne. Não mais sentirei a energia pulsar de meu peito para todo o corpo, denotando a presença da vida, fase corpórea da existência. Não mais sentirei a corrupção do mundo açoitar-me a consciência, impedindo-me de agir livre e corretamente.
Não mais sentirei o medo, o temor, a solidão, a ausência de carinho, a perda do que amei, o desejo desenfreado pelas obscenidades, a ansiedade tormentosa a banir-me a serenidade desejada. Preciso descansar, descansar em paz...

Não mais sentirei nada... a não ser a presença do silêncio ou o cantar dos anjos, para que eu descanse em paz.

Robert Thomaz