A casa
A casa combina e contém o estilo de cada pessoa, para satisfazer o gosto e as necessidades encaixadas como peças de jogo de armar: transforma-se em lugar único, onde o sonho concretizado se torna lembrança e história em minha vida. Encontro em Pedro Du Bois o livro A Casa Diversa, “A casa em silêncio / guarda o sentido e a lembrança. //... a casa recolhe o silêncio dos que foram o passado não resolvido no esquecimento...”; em Agostinho Both, o seu primeiro romance, 1990, Para Onde Vão Nossas Casas.
Na casa do tio Nilo, após o seu falecimento, encontrei em seu armário textos com poemas de Aparício Silva Rillo – poeta gauchesco, humorista e autor do livro Rapa de Tacho – em que senti novas cores como se fosse novo ambiente. Transformada pelo esplendor do poema Herança, visto ter sido escrito há cerca de quarenta anos, senti o incomum encontro: as marcas da passagem do tempo e a saudades “daqueles tempos”, como na sua poesia, “Naqueles Tempos. / Sim, naqueles tempos / as casas já nasciam velhas. / Eram cálidas... // mostravam-se nuas, / abertas em janelas que espiavam / da sombra verde para o sol das ruas. // Naqueles Tempos./ Sim, naqueles tempos / tinham balcões e sacadas essas casas / e úmidos porões e sótãos com fantasmas //... Naqueles Tempos / sim, naqueles tempos / as portas eram altas / e alto o pé direito das salas dessas casas. / Mas eram simples as pessoas que a casa abrigavam. // Naqueles Tempos. / Sim, naqueles tempos //... Somos guardiões de casas velhas / almas de sesmarias e de estâncias, / paredes que suportam seus retratos...”
Rillo ao poetizar mostra o quanto de lembranças renasce no silêncio da casa e a saudade decomposta pelo tempo faz mergulhar no passado, o que me remete à profundeza da casa como “herança” contada como fendas que ressurgem em minhas linhas de significados.
Concretizo a casa em palavras de contida história, onde a liberdade fica aprisionada quando nela entro, fecho a porta e apago a luz. Então, traço caminhos e imagino descobertas, como morar na cidade grande e esquecer a hora de voltar para casa: o progresso retrata a casa e desse encontro surgiu o livro A Concretude da Casa, de Pedro Du Bois, “A casa esconde segredos entrevistos / em personagens acorrentados aos dias; //... A casa exige explicações das palavras recebidas: ameaças circunstanciadas / em troca de ideias. / despenca na sala o quadro. / Atrasa o relógio da cozinha”.
A casa é o espaço onde me reconheço; nela fico quando busco pela minha morada. É âncora na certeza de dias ensolarados. Ainda hoje me surpreendo ao ser levada pelo silêncio da casa, como herança em que se acumulam recordações que se desfazem nos amanheceres, porque me sinto angustiada com a realidade que se apresenta áspera e, ao mesmo tempo, revivo a memória com a saudade de me ver refletida nos sonhos dos antepassados. Como em Pedro Du Bois no livro A Casa em Procuras, “... ter a lembrança da primeira casa na idealização / dos sonhos permitidos e deles retirar os olhos / ampliados em pensamentos aleatórios dos caminhos...”, e, em Carlos Drummond de Andrade, “... A casa tem muitas gavetas e / papéis, escadas compridas. / Quem sabe a malícia das coisas, / quando a matéria se aborrece?...”