Efuturo: TRECHO DE O OLHAR DE HIROSAKI

TRECHO DE O OLHAR DE HIROSAKI

TRECHO DE "O OLHAR DE HIROSAKI"

Roberto Schima

- Estar neste lugar e nesta cidade. Tenho a impressão de haver viajado para o passado, para o tempo das charretes, da moenda e do pilão. Entretanto, sob nossos pés, na escuridão daquele calabouço, está o astro-observatório, um instrumento do futuro, capaz de penetrar fundo na amplidão do espaço e tornar realidade os mais elevados sonhos da ficção científica. Há um choque nisso.
- Não é um contraste muito maior do que nós próprios, enquanto seres humanos, carregamos atualmente.
Ela ia perguntar o que seria, entretanto aguardou, pois, evidentemente, ele iria responder de qualquer jeito. E o astrônomo fê-lo, assumindo sua postura professoral:
- Ainda hoje há pessoas vivendo em estado primitivo, enquanto outras lidam com tecnologias avançadas, porém, mais do que o contraste cultural, sobressalta aos olhos o quão pouco evoluiu a humanidade enquanto indivíduos, quão pouco aprendemos baseados nos erros anteriores. Basta olharmos a nossa volta. Onde foram parar a dignidade, o respeito, a ética? Não foi para ver um mundo imerso na patifaria, ambições mesquinhas, leviandade e hipocrisia que milhares deram suas vidas na guerra. Quantos outros lutaram e sucumbiram à ditadura? Meu amor às estrelas só é comparável à minha decepção em relação às pessoas de um modo geral. E isso é uma doença da qual a humanidade padece no mundo inteiro.
A voz de barítono trazia mágoa e desapontamento. Não era bem esse o rumo da conversa pretendido por Maria Ângela.
O velho continuou:
- Filhos assassinando seus pais. Pais matando seus filhos. Professores sendo agredidos por alunos. Criminosos agindo conforme bem entendem. Políticos corruptos chafurdando a vontade nos produtos de seus roubos. Promiscuidade. Badernas. O imperialismo... A tecnologia avançou muito e continua avançando, porém, e paradoxalmente, o ser humano aparenta estar involuindo, regredindo, retornando à barbárie. Talvez a própria tecnologia tenha sua cota de culpa, trazendo facilidades demais e ajudando a corroer o caráter - já não muito firme - das pessoas. Tornamo-nos fúteis, preguiçosos, materialistas, arrogantes e, para falar Português claro, burros. E os meios de comunicação têm se esmerado em fazer a sua parte, contribuindo muito para isso. Vide, por exemplo, os programas de auditório...
Suspirou, antes de prosseguir:
- A impressão que eu tenho, Estrelinha, é que, nos tempos da ditadura, não havia liberdade, porém, existia consciência. E atualmente, sob a brisa democrática, extrapolamos liberdades, mas perdemos a consciência... Não estou, de maneira alguma, fazendo apologia à volta da ditadura. Não foi para isso que muitos de nós arriscaram a vida na Europa e no Brasil - vários a perderam. Expresso somente o meu desejo de que a liberdade - não a libertinagem - e a consciência venham a caminhar lado a lado, ao invés dessa alienação, malandragem e falta de cultura lamentavelmente crescentes no país.


NOTA DO AUTOR:
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