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O patíbulo

Não sei bem quem foi que trouxe a notícia. Acredito que foi a tia Maria, pois ela é que era a bisbilhoteira da família. A mais bisbilhoteira, porque outras pessoas também o eram, mas com menos intensidade. O vô Arnoldo era bisbilhoteiro, porém só de quem estava traindo quem com quem. Ele esfregava as mãos quando estourava uma notícia quente nesse sentido. E, no outro lado, tinha o tio Neco que não sabia, nem nunca soube, quem eram os vizinhos do lado direito da nossa casa. E não tinha a mínima ideia do que se passava dentro da própria casa dele. Ele só sabia tudo sobre o time de futebol do seu coração. Até o nome do preparador físico e com quem era casado. Uma vez meu tio Neco perguntou para a minha mãe se já havia terminado a Primeira Guerra Mundial, pois domingo teria o clássico e ele não queria perder.
Mas eu estava falando da notícia que chegou a nossa casa. Vamos supor que foi a tia Maria que a trouxe, assim fica mais fácil de contar. Ela, a tia, disse com olhos arregalados que os vizinhos da Rua Humboldt estavam construindo um patíbulo no jardim. Estava todos — o pai, a mãe, eu e meus irmãos — estavam na cozinha quando ela entrou e contou. “Um... o quê?!” perguntou meu pai, distraído. Ela, a tia, repetiu: “Um patíbulo!” Foi como se uma bomba caísse na cozinha, mas uma bomba de silêncio. Nós, as crianças, apuramos os ouvidos, pois a palavra era desconhecida e tinha cheiro de sacanagem, Coisa que só os adultos podiam saber. O pai pigarreou e voltou a ler o jornal, como se não tivesse ouvido nada. Ou como se para ele fosse uma coisa comum e corriqueira. A mãe fez a tia repetir a palavra e perguntou para ela: “O que é isso?” Ela deu de ombros e apontou para o pai. O pai fingiu que não era com ele. Hoje sei que ele não sabia, igual ao pai da história de Artur Azevedo chamada O plebiscito. Outra palavra que ninguém da família reunida ali saberia o que significava. A tia foi embora e nós, crianças, começamos a usar patíbulo para tudo. “Seu patíbulo de uma figa!” “Aposto dois patíbulos como acerto aquela lata com uma setrada”. “Mãos ao alto, seu patíbulo!”
Enquanto isso, o pai saiu de casa de mansinho e foi dar uma olhada na casa dos vizinhos da Rua Humboldt. Era sábado. Ele se misturou aos curiosos e ficou sabendo que a geringonça servia para enforcar alguém. Quando ele voltou para casa, estava todo prosa. E fez alarde da sua sabedoria. Nós, as crianças, incorporamos imediatamente o patíbulo nas brincadeiras. “Você não passa de um bandido feroz e merece ir para o patíbulo!” “Canalha, o patíbulo te espera!”
Só que meu pai tinha ideias malucas. É preciso que eu diga logo. Se a família da Rua Humboldt se achava cheia de estranhamentos, a nossa não ficava atrás, talvez até ultrapassasse toda e qualquer estranheza. Enquanto muita gente protestava contra a construção do patíbulo no jardim da Rua Humboldt, meu pai maquinou, maquinou... E logo na noite de segunda-feira, quando os vizinhos da Rua Humboldt estavam satisfeitos com o término da construção e foram dormir e sonhar, que ele, o pai, deu à luz uma ideia. Pediu máximo silêncio para nós, as crianças, e prometeu que, se ficássemos em completo silêncio, ele nos levaria para ver o tal patíbulo. Sem a mãe saber de nada, claro. Nós, as crianças, só nos entreolhamos e os olhos quase saltaram das caras. Fomos andando num silêncio quase que de cemitério à noite. A Rua Humboldt ficava só a duas quadras da nossa. Nem um pio saiu de nós. Chegando na cerca, o pai mostrou o sonhado patíbulo. Para nós, crianças, não pareceu muito atraente. Ainda mais no lusco-fusco que a única lâmpada do poste da rua produzia. O pai cochichou que ia mostrar mais de perto. Ele pulou a cerca sem fazer barulho. Nós ficamos com as caras coladas na cerca, tremendo e tentando entender a geringonça. O pai voltou até a cerca e cochichou: “Querem ver como funciona?” Nós, claro, fizemos que sim com a cabeça e ele fez chiiiii! bem baixinho. Voltou ao patíbulo, pôs a cabeça no laço pendurado e... sumiu num buraco do chão. Nós, guardando silêncio, ficamos vendo o pai balançando, pendurado pelo pescoço. “Amanhã eu é que vou experimentar”, foi o que sussurrou meu irmão mais novo. “Pedi primeiro!”


Rui Werneck de Capistrano, "Re", Clube de Autores.

 
   
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