Efuturo: Cais de areia

Cais de areia

Hasteia-se à proa do escaler, escancaro de fidalguia na figura de um nobre que de nobre apenas tem o título. Isso vindo das paragens de onde saiu; pois que fora de lá, apenas é “mais um entre muitos!” Nobre aos olhos de um reino que se não é alegoria, passa perto de ser fantasia: um “reino de tão muito longe”.
O que mais ostenta é empáfia e ranço de decadência, esse viçoso varão.
Da sua fatiota exala a essência do velho mundo, contraposta ao cheiro de maresia e o perfumoso de um novo mundo: contrasta de muito, essa orgia de odores diversos.
Os aromas de folhas muitas, de flores muitas, acrescidos ao almiscarado essencial da praia – peixe podre a granel – entope e entorpece as narinas pouco afeitas a tais fragrâncias.
As muitas roupas, de muitos e inúmeros panos, mais insalubres que frugal, contradizem o esquentado dos trópicos. Mais ainda, de maneira atípica, afrontam a nudez dos que aqui habitam.
A praia coalha-se de conchas e seixos da sujidade do mar – sargaço s algas marinhas –, de cadáveres de moluscos e pequenos peixes ainda nas redes recém puxadas das águas.
Em um recanto próximo às pedras do encontro praia-terra um nativo esfola um peixe de bom tamanho – de pele avermelhada puxada para o tom salmão, que contrapõe-se à tez carmim que vai quase à terracota do seu algoz –, entretido tanto que nem se dá conta da chegada do tal fidalgo. É de mais importância, o seu destripar o peixe.
Inquietado pela demora na atracação da pequena embarcação, a estranha figura do fidalgo aventura-se na água rasa da beira-praia.
Na verdade, aportar seria por nobre condescendência; era mais para um encalhe do escaler na areia, em maré não cheia nem vazante: maré morta, mais pra isso.
Cambaleia, o nobre indivíduo, e de imediato é acudido por um grumete que o ajuda a chegar na areia mais secada.
Ajeita a fatiota e confirma as botas de cano alto um tanto encharcadas; confere o espadão na bainha, preso à cintura por talabarte de couro trabalhado com refino de artesão habilidoso – só encontrado no reino de onde vem.
Maldito mundo fora das regras e pudores! – Isso está implícito no resmungo emudecido e nas faces enraivecidas.
Mas quais regras e quais pudores?!, os que estão além mar?
Com o fidalgo vem o ranço do velho mundo; a fedentina da odisseia no mar; o mareado do oceano e o entorpecido do assombroso novo mundo.
Mete-se o fidalgo por fragrâncias e cores e falas de um mundo virgem, nos dizeres malditos do “santo ofício!”